QUANDO ALGUÉM PERGUNTA A UM AUTOR, O QUE ESTE QUIS DIZER, É POR QUE UM DOS DOIS É BURRO.

MARIO QUINTANA

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Sobre maconha, crack, cola, cocaína e coca-cola

Dia desses, dando aula sobre Grécia Antiga, resolvi ler para meus alunos alguns capítulos do livro “Os 12 Trabalhos de Hércules” de Monteiro Lobato. Lembrei-me de quanto era prazeroso ler Monteiro Lobato, e como suas fantásticas e ingênuas histórias do Sítio do Pica-pau-amarelo aguçavam a criatividade e a imaginação.
Ao iniciar a leitura para a classe, me espantei ao reencontrar o famoso “pó de pirlimpimpim”, pó mágico que se aspirado levava a pessoa a viajar no tempo e no espaço, proporcionando a seus usuários alucinantes aventuras. Um pouco temerosa olhei de sobressalto para a turma silenciosa(incrível), tentando descobrir se eles tinham pensado o mesmo que eu. Não, o “pó de pirlimpimpim” era só o “pó de pirlimpimpim”, envergonhada de intimamente ter cometido tao sacrilégio contra um dos mais influentes escritores infantis de nosso país, voltei-me a leitura, não sem antes pedir perdão a Deus.
Algum tempo depois mergulhada no último livro de Chico Buarque, Leite Derramado, perdi o que restava da minha inocência, ao ler um trecho que em que o personagem fictício, narrava a sua privilegiada experiência de experimentar, em reuniões da alta-sociedade brasileira, no início do século XX, uma pura e refinada cocaína. É, o “pó de pirlimpimpim” não foi invenção do Monteiro Lobato, já era usado em diversas ocasiões, para grandes “viagens” no tempo e no espaço.
É engraçado pensar, mas houve um tempo que cada coisa tinha seu lugar, a sociedade era organizada, ou pelo menos se pensava assim.
Desta forma a cocaína era droga da elite intelectual, da nobreza, (dizem até que da realeza), e não era problema pra ninguém, porque elite nunca foi problema para o país. Já a maconha, era a droga da geração “maluco beleza”, de uma mentalidade mais burguesa e tinha uma representação romântica e poética na construção de uma identidade jovem e contestadora. E os pobres, pivetes e favelados, cheiravam cola, e a média e baixa burguesia tomavam Coca-Cola.
O crack ninguém conhecia e de traficante também quase não se ouvia dizer, era o tempo da construção da realidade, as pessoa só sabiam, o que se permitia saber. A mídia tinha pouco alcance, e atuava de forma a manter a “Ordem e o Progresso”.
Quando a TV chegou ao Brasil, veio pelas mãos dos militares, as pessoas todas passaram a ouvir falar mais da Coca-Cola, mas criança de rua cheirando cola, não iam ao ar.
Não é a toa que tem gente que afirma que na época dos militares não havia violência. Os únicos crimes que o povo conhecia eram aqueles que “os jovens rebeldes e comunistas”, praticavam contra a “Ordem" e o "Progresso" do Brasil.
E, favela não aparecia na TV, e político não subia o morro. Mas a coca subiu, a cola desceu, e a Coca-Cola continuou sendo privilégio de poucos. Até os nossos bandidos eram caras bacanas. Os famosos malandros, não assustavam ninguém, eram mulherengos, “espertos”, preguiçosos, cachaceiros, vestiam branco, usavam chapéu Panamá, e frequentavam a Lapa, e se andavam armados, era no máximo com uma navalha, que diziam as más línguas estava praticamente aposentada. E crime mesmo quase nada, exploravam prostitutas, bancas de jogo de bicho e de vez em quando batiam umas carteiras de grã-finos distraídos.
Estranho como as coisas mudam, com o fim da ditadura militar e a abertura política do país, sabe-se lá Deus de onde, o traficante apareceu. Como? Os únicos que tinham não tinham morrido na Cidade de Deus? É, com o fim da ditadura militar, a toalha caiu e apareceu o que ninguém queria ver. A favela, a miséria, e a violenta realidade social do Brasil.A sociedade deixou de parecer organizada. Organizado agora era o crime.
Enquanto ninguém via a favela, o traficante atuava, preenchendo os espaços deixados pelo Estado, tal como Coronéis da República Velha. Tomaram para si o Brasil que ninguém queria, que ninguém via, e organizou sua empresa às custas da incompetência do Estado.
Assim a Coca-Cola subiu o morro, o crack apareceu no asfalto, e a maconha circulava livremente pelas escolas e universidades.
E aí não deu pra calar o povo, todos escutavam Bezerra da Silva anunciar: “...É cocada boa, é cocada boa”. O máximo que se podia fazer era fingir que não estava entendendo, mas eles se fizeram por entender.
Incrível, em menos de trinta anos, uma coisa que não existia, tornou-se quase que uma instituição. Os quase inofensivos canivetes se transformaram em pesadas artilharias de guerra, de nome russo, inglês e alemão.
O Estado não teve apenas que admitir sua existência, mas também sua incompetência diante de uma organização que constitúi ao lado do Legislativo do Executivo e do Judiciário um quarto poder, o “Poder Paralelo”.
É obvio que o Estado foi negligente, e hoje paga um preço altíssimo por ter subestimado e ignorado o poder do excluído. O tráfico de drogas é hoje, assim como torturas, mortes e desaparecimentos, uma tenebrosa dívida dos bem-intencionadíssimos militares.
Hoje todo mundo conhece a maconha, o crack, a cocaína e a Coca-Cola, estão em todas as classes sociais e somadas à precária situação da educação pública do país, é atualmente o maior desafio da segurança pública, e deve ser tratado como caso de saúde pública.
É Monteiro Lobato, foi o tempo em que só a Emília tinha acesso aos poderes mágicos do “pó de pirlimpimpim”. Hoje, poucas crianças conhecem a turma do Pica-pau-amarelo, mas muitas sofrem, de forma direta ou indireta, com as conseqüências devastadora do uso indiscriminado do tal “pó”

Monique Pacheco
Professora e Bacharel em História pela PUC- MG
e-mail:moniquenajara.eu@ig.com.br
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quarta-feira, 19 de maio de 2010

Desabafo de um professor que lê*.

O maior crime contra a educação pública de nosso país quem tem cometido são os professores. Não, não se ofenda, não estou falando de você professor politizado, que tem total consciência de sua responsabilidade social com a formação crítica e política de seus alunos. Mas de você, que insiste em se calar, em se eximir de sua responsabilidade, que se acomoda e pior, que é conivente com esse sistema excludente e segregador da escola de massas.
Outro dia li em um jornal a triste notícia de que crianças estavam tendo aula dentro de um local, usado pela comunidade para velórios. Fiquei indignada e revoltada, não com a prefeitura e a secretaria de educação apenas, (já é de se esperar que tais órgãos tratem a educação do filho do operário de forma tão leviana), mas com os professores, que se prestam a sair de suas casas para ministrarem aulas em um ambiente desses. Se eles vêem como heroísmo, eu digo que a vilania de tal atitude é de dar medo.
Os professores deveriam ser os primeiros a protestarem contra o descaso público e defenderem os direitos dos alunos a uma educação digna e de qualidade. Mas não, covardemente se escondem atrás de um discurso de “mártir”, para defender, na verdade, seus mais egoístas, imediatistas e medíocres interesses financeiros.
Não conheço esses professores, mas conheço muitos outros ditos “profissionais da educação” que se portam da mesma maneira. É só começar a articular greves e paralisações, visando à conquista de uma digna e justa condição de trabalho e ensino, que esses tais “profissionais” despudoradamente começam a manifestar suas vergonhosas justificativas para continuarem a contribuir com o esfacelamento da educação pública:
“_ Olha, eu até pararia, mas comprei um pacote de viagem para a semana de outubro, e não vou poder pagar a greve. Mas apoio quem para.”
“_ Só não vou parar porque sou contratado, mas quem é efetivo tem mais é que parar mesmo”.
“_ Eu sou bem casada, meu marido ganha bem, meu dinheiro é só para fazer unha, arrumar o cabelo... mas se eu precisasse igual a vocês, eu também entrava em greve.”
“_ Greve? De jeito nenhum, “to” pagando prestações do meu carro, não posso mesmo.”
“_ Vocês tem que fazer greve sim, eu só não participo porque sou indicada do prefeito, tenho um cargo de confiança e não posso ficar me envolvendo nessas coisas.”
E a situação só piora, quando os tais “heróis” da educação se manifestam:
“_ Vocês estão fazendo greve porque não gosta de trabalhar, não pensam nos “coitadinhos” dos alunos, que sempre ficam prejudicados.”
Esse é o tipo de professor que faz parte do grupo que não apenas “dá” aula em velório, mas até em cemitério se tiver oportunidade. Mal sabem que são eles que prejudicam e condenam os estudantes a tal condição de “coitadinhos”.
Outro discurso imperdoável é o do: “mas é que eu estou precisando trabalhar”, esse, chega a ser um dos piores, porque desqualifica o sacrifício dos que lutam, arriscando seu emprego e sua organização financeira, pelo bem-estar de todos. Como se os professores em greve, não fosse receber como conseqüência, apenas um improvável bônus, mas também o provável ônus, que todo movimento desse caráter carrega consigo.
A situação calamitosa não para por aí. Quando deparamos com a postura mesquinha de alguns diretores e vices-diretores é que podemos ver claramente que a tal consciência de classe que Marx profetizou jamais existiu. Ignorando sua condição de igualdade com os demais professores, acreditam ser eles parte da elite favorecida do país, do estado ou da cidade, e se prestam ao ridículo papel de ameaçar, intimidar e sabotar qualquer movimento de luta da classe à qual eles ignorantemente pertencem.
Não vou negar que nem sempre tive essa consciência social. Já fui à escola trabalhar sozinha enquanto todos os outros estavam em movimento de paralisação e acreditem me envergonho muito deste ato de ignorância e egoísmo. Mas ao contrário de muitos outros nunca me ofendi a ser provocada ao louvável e necessário ato de pensar, e não me eximi de buscar me informar, me politizar e conseqüentemente me responsabilizar pela melhoria das condições de educação do país.
Minha indignação, portanto, consiste não apenas na ignorância, mas na insistência e no orgulho e sê-lo, e claro, na falta de ética e bom caráter profissional.
Em uma das prefeituras em que leciono, cheguei a ter o desprazer de conhecer “colegas” que além de não aderirem ou apoiarem o movimento grevista, ainda se prestaram ao cúmulo, de capitalizar em cima dele. Trabalhando no lugar dos professores que protestavam, somaram aos benefícios (ainda que poucos) adquiridos com as lutas da classe, o valor das horas/aula que foram descontados do contracheque de seus “colegas de trabalho”.
Cadê a tal consciência de classe? A tal revolução operária? Quando ela irá existir se os formadores de opinião do país não têm consciência de seu papel enquanto educador, e se recusam a transformar a escola pública em um “lócus” de saber, produção e libertação social?
Aquelas crianças que recebiam aulas no “velório” diziam estar com medo de assombração. Eu também estou. O que me assombra são a ignorância e a irresponsabilidade de integrantes de minha classe profissional que só fazem por ajudar a desvalorizar e desqualificar a nossa profissão. Chego inclusive a pensar que talvez um “velório” seja mesmo um lugar bem propício para instalar uma escola, visto que a educação pública, se não morta, está moribunda, dando seus últimos suspiros, cercada por professores que, como velhas carpideiras, assistem passivamente sua agonia e planejam seu enterro, ou lhe matam aos poucos com doses homeopáticas de mesquinharia, passividade e alienação.

* o título faz referência ao famoso texto do grande teatrólogo social, Bertold Brechet, “Perguntas de um trabalhador que lê”.

Monique Pacheco
Professora e Bacharel em História pela PUC-MG
e-mail:Moniquenajara.eu@ig.com.br
Blog: moniquenajaraapacheco.blogspot.com

terça-feira, 4 de maio de 2010

Até quando seremos racistas?

Para mim não existe prova maior do quanto nosso país ainda é subdesenvolvido, do que o fato de sermos racistas. E antes que alguém tente se defender da generalização, reafirmo, somos racistas e negros.
Aliás, a primeira coisa que devemos esclarecer é que, somos racistas, exatamente por sermos negros. Afinal, quem quer ser negro nesse país? Quem quer fazer parte dessa história de exclusão e exploração que persiste em se reproduzir? Quem quer ser herdeiro desse legado de apartação? Ninguém. Por isso preferimos ser pardos, morenos, morenos claros, morenos “chegados”, morenos “fechados”, “cor de jambo”, “marrom bom bom”... Orgulhamo-nos de termos filhos e netos de cabelos lisos, e nos sentimos premiados, por, ora ou outra, recebermos em nossa árvore genealógica um descendente de olhos azuis.
Clarear a pele ao longo das gerações é, para nossa sociedade, ir aos poucos, alcançando uma redenção, uma chance de vencer o preconceito. O próprio preconceito, e o preconceito de uma minoria de pele clara, que se diz branca, se pensa superior, e acaba por ser privilegiada.
Sim, somos racistas, apesar das incansáveis discussões cientificas sobre a questionável existência de raças dentre a espécie humana, somos etnocêntricos, apesar de nosso fenótipo não ser definido, e assim não ser comum a nenhuma determinada etnia, e somos eurocentricos, apesar de a maioria esmagadora do país, nem de longe se enquadrar no nórdigo padrão de beleza europeu.
Podemos até entender, o porquê de tantos paradigmas culturais, apenas com uma simples análise histórica do nosso país. Mas o que não podemos definitivamente é prever por quanto tempo ainda manteremos essa cultura ignorante e hipócrita.
Claro, reconheço, a tentativa de vários setores sociais de encarar o problema de frente, e dar início a uma discussão sobre o tema, com o intuito de tentar eliminar sistematicamente o “racismo” no país, através de discursos e ações de afirmação racial. Mas temo pela possibilidade de uma bipolarização, que ao invés de reconhecer a identidade do brasileiro acabe por reproduzir os errôneos preconceitos raciais ao tentar caracterizar as pessoas de forma a reafirmar indefinidas diferenças, na inútil tentativa de diferenciar negros de brancos.
A tal questão racial no país é hoje, uma dialética entre uma simples e ao mesmo tempo complexa questão de cor de pele, traços faciais e textura de cabelo. Outro dia, ao participar de um curso que propunha projetos de combate ao racismo nas escolas, me preocupei ao escutar uma das palestrantes afirmarem que em um dos congressos em que participou, só havia uma pessoa negra,ela. Tive que confirmar com o colega ao lado se o tal congresso teria sido mesmo no Brasil, e após ouvir que sim, que acontecera em São Paulo, acabei por lamentar não ter tido a oportunidade de questioná-la sobre os parâmetros usados por ela para identificar quem é de fato negro nesse país. Sinceramente, acho muito difícil fazer esse tipo de separação em um país como o nosso. E também não acredito que tal separação traria solução ao nosso problema.
Nosso racismo só irá acabar quando nos livrarmos dessa ignorância classificatória, que se prende em tonalidades e graduações de cores. Somos todos, independente dessa tal tonalidade de pele, e textura dos cabelos, brasileiros, pobres, subdesenvolvidos, oprimidos e escravos de nossa colonização católica e pró elitista. Se todo camburão tem algo de um navio negreiro, nós, brasileiros pobres, independente da cor, estamos a bordo desse camburão. Embarcamos nessa canoa furada, chamada desigualdade social.
Ser racista em um país de mestiços acaba por nos condenar a viver em uma constante guerra civil, muito semelhante àquelas que se passam em vários países da África, e que vivemos por condenar e tentar entender. Negros, pobres e explorados se matando enquanto brancos e ricos se beneficiam de suas mortes. Não somos melhores que eles, somos iguais, com a simples diferença que eles se destroem porque acreditam em suas verdades, e nós por que insistimos em cultuar nossas mentiras.

Monique Pacheco
Professora e Bacharel em História pela PUC- MG
e-mail:moniquenajara.eu@ig.com.br