QUANDO ALGUÉM PERGUNTA A UM AUTOR, O QUE ESTE QUIS DIZER, É POR QUE UM DOS DOIS É BURRO.

MARIO QUINTANA

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Desabafo de um professor que lê*.

O maior crime contra a educação pública de nosso país quem tem cometido são os professores. Não, não se ofenda, não estou falando de você professor politizado, que tem total consciência de sua responsabilidade social com a formação crítica e política de seus alunos. Mas de você, que insiste em se calar, em se eximir de sua responsabilidade, que se acomoda e pior, que é conivente com esse sistema excludente e segregador da escola de massas.
Outro dia li em um jornal a triste notícia de que crianças estavam tendo aula dentro de um local, usado pela comunidade para velórios. Fiquei indignada e revoltada, não com a prefeitura e a secretaria de educação apenas, (já é de se esperar que tais órgãos tratem a educação do filho do operário de forma tão leviana), mas com os professores, que se prestam a sair de suas casas para ministrarem aulas em um ambiente desses. Se eles vêem como heroísmo, eu digo que a vilania de tal atitude é de dar medo.
Os professores deveriam ser os primeiros a protestarem contra o descaso público e defenderem os direitos dos alunos a uma educação digna e de qualidade. Mas não, covardemente se escondem atrás de um discurso de “mártir”, para defender, na verdade, seus mais egoístas, imediatistas e medíocres interesses financeiros.
Não conheço esses professores, mas conheço muitos outros ditos “profissionais da educação” que se portam da mesma maneira. É só começar a articular greves e paralisações, visando à conquista de uma digna e justa condição de trabalho e ensino, que esses tais “profissionais” despudoradamente começam a manifestar suas vergonhosas justificativas para continuarem a contribuir com o esfacelamento da educação pública:
“_ Olha, eu até pararia, mas comprei um pacote de viagem para a semana de outubro, e não vou poder pagar a greve. Mas apoio quem para.”
“_ Só não vou parar porque sou contratado, mas quem é efetivo tem mais é que parar mesmo”.
“_ Eu sou bem casada, meu marido ganha bem, meu dinheiro é só para fazer unha, arrumar o cabelo... mas se eu precisasse igual a vocês, eu também entrava em greve.”
“_ Greve? De jeito nenhum, “to” pagando prestações do meu carro, não posso mesmo.”
“_ Vocês tem que fazer greve sim, eu só não participo porque sou indicada do prefeito, tenho um cargo de confiança e não posso ficar me envolvendo nessas coisas.”
E a situação só piora, quando os tais “heróis” da educação se manifestam:
“_ Vocês estão fazendo greve porque não gosta de trabalhar, não pensam nos “coitadinhos” dos alunos, que sempre ficam prejudicados.”
Esse é o tipo de professor que faz parte do grupo que não apenas “dá” aula em velório, mas até em cemitério se tiver oportunidade. Mal sabem que são eles que prejudicam e condenam os estudantes a tal condição de “coitadinhos”.
Outro discurso imperdoável é o do: “mas é que eu estou precisando trabalhar”, esse, chega a ser um dos piores, porque desqualifica o sacrifício dos que lutam, arriscando seu emprego e sua organização financeira, pelo bem-estar de todos. Como se os professores em greve, não fosse receber como conseqüência, apenas um improvável bônus, mas também o provável ônus, que todo movimento desse caráter carrega consigo.
A situação calamitosa não para por aí. Quando deparamos com a postura mesquinha de alguns diretores e vices-diretores é que podemos ver claramente que a tal consciência de classe que Marx profetizou jamais existiu. Ignorando sua condição de igualdade com os demais professores, acreditam ser eles parte da elite favorecida do país, do estado ou da cidade, e se prestam ao ridículo papel de ameaçar, intimidar e sabotar qualquer movimento de luta da classe à qual eles ignorantemente pertencem.
Não vou negar que nem sempre tive essa consciência social. Já fui à escola trabalhar sozinha enquanto todos os outros estavam em movimento de paralisação e acreditem me envergonho muito deste ato de ignorância e egoísmo. Mas ao contrário de muitos outros nunca me ofendi a ser provocada ao louvável e necessário ato de pensar, e não me eximi de buscar me informar, me politizar e conseqüentemente me responsabilizar pela melhoria das condições de educação do país.
Minha indignação, portanto, consiste não apenas na ignorância, mas na insistência e no orgulho e sê-lo, e claro, na falta de ética e bom caráter profissional.
Em uma das prefeituras em que leciono, cheguei a ter o desprazer de conhecer “colegas” que além de não aderirem ou apoiarem o movimento grevista, ainda se prestaram ao cúmulo, de capitalizar em cima dele. Trabalhando no lugar dos professores que protestavam, somaram aos benefícios (ainda que poucos) adquiridos com as lutas da classe, o valor das horas/aula que foram descontados do contracheque de seus “colegas de trabalho”.
Cadê a tal consciência de classe? A tal revolução operária? Quando ela irá existir se os formadores de opinião do país não têm consciência de seu papel enquanto educador, e se recusam a transformar a escola pública em um “lócus” de saber, produção e libertação social?
Aquelas crianças que recebiam aulas no “velório” diziam estar com medo de assombração. Eu também estou. O que me assombra são a ignorância e a irresponsabilidade de integrantes de minha classe profissional que só fazem por ajudar a desvalorizar e desqualificar a nossa profissão. Chego inclusive a pensar que talvez um “velório” seja mesmo um lugar bem propício para instalar uma escola, visto que a educação pública, se não morta, está moribunda, dando seus últimos suspiros, cercada por professores que, como velhas carpideiras, assistem passivamente sua agonia e planejam seu enterro, ou lhe matam aos poucos com doses homeopáticas de mesquinharia, passividade e alienação.

* o título faz referência ao famoso texto do grande teatrólogo social, Bertold Brechet, “Perguntas de um trabalhador que lê”.

Monique Pacheco
Professora e Bacharel em História pela PUC-MG
e-mail:Moniquenajara.eu@ig.com.br
Blog: moniquenajaraapacheco.blogspot.com

Um comentário:

  1. Monique,

    concordo plenamente com sua avaliação e com seu desabafo. Na maioria das vezes os maiores "inimigos" da nossa luta estão na sala de professores, ao nosso lado. Sem prejuízo dos tantos outros inimigos declarados da educação e do povo.

    Sou professor da Rede Municipal de BH e aqui o quadro não é muito diferente do Estado.

    Só um reparo: a estória da tal escola velório. O lugar é o Morro Alto, Vespasiano. O fato não ocorreu como divulgado. O velório concomitante às aulas é boato e NÃO OCORREU.

    O lugar foi usado em um final de semana de maneira emergencial para um velório. Na segunda, quando as famílias e as crianças souberam do velório houve o bafafá todo.

    Crianças com medo de defunto e mães preocupadas com a saúde dos filhos devido a possível falta de limpeza do local. Sei disto por que conheço e acompanho a instituição mantenedora QUE NÃO É UMA ESCOLA, MAS EMPRESTA SALAS PARA AS AULAS.

    Professores NÃO MINISTRARAM AULAS AO LADOS DE CAIXÕES DE DEFUNTOS. Mas a responsabilidade do Estado e das prefeituras em propiciar espaços dignos para a educação permanece. Esta é a questão de fundo e nisto você tem TODA A RAZÃO E SUA CRÍTICA É MUITO PERTINENTE!!!!

    Só faço o reparo pois creio que há um equívoco e que deve ser desfeito para maior alcance e eficácia de seu desabafo.

    Comunico também que sou do Conselho Municipal de Educação de BH, que nos reuniremos na quinta feira, dia 27/05, as 18 e 30 e que me coloco a disposição para moção de apoio aos educadores minieiros naquele orgão.


    acompanhe também nosso blog e dê suas contribuições:
    diariodoprofessor.blogspot.com

    Um abraço e parabéns pelo seu blog.
    Prof.Geraldinho.
    prof_geraldinho@yahoo.com.br

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