QUANDO ALGUÉM PERGUNTA A UM AUTOR, O QUE ESTE QUIS DIZER, É POR QUE UM DOS DOIS É BURRO.

MARIO QUINTANA

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Abaixo o sutiã e a violência à mulher

Há alguns meses vêm circulando em algumas revistas de opinião imagens de mulheres famosas em lugares e eventos públicos sem sutiã. Não, elas não estavam nuas, estavam muito bem vestidas, mas a censura estampada nas matérias à ausência da peça “totêmica” era tanta, que se as moças tivessem vestidas a lá “É o tcham”, teriam sido menos criticadas.
O sutiã é mais que uma peça íntima, é um símbolo do controle social, sobre o corpo da mulher. A mulher já conquistou lugares na sociedade antes apenas ocupados por homens, estão à frente das empresas, das tropas militares, da presidência de alguns países, mas não tem o direito de sair a rua com uma camiseta larga sem sutiã. É como se a nossa sociedade machista dissesse: Isso não, eu ainda tenho o controle sobre seu corpo.
Essa é a verdade que nenhuma mulher quer admitir. O corpo dela ainda não é dela. A mulher é ainda uma “costela de Adão”, o corpo dela é visto como uma propriedade social. São vários os indícios que confirmam essa afirmação, podemos citar, por exemplo, o olhar acusador que se lança sobre a mulher que opta por não ter filhos, e/ou principalmente, os altos índices de violência que as mulheres de todas as classes sociais sofrem diariamente, por pais, irmãos, cônjuges ou desconhecidos.
A sociedade chega até a, sem nenhum pudor, justificar estupros com frases do tipo:” Ah, mais com essa roupa, andando nesse lugar, nesse horário, ela estava querendo isso mesmo”.
Outro dia, um dos nossos “exemplares” jogadores de futebol, em uma de suas belas demonstrações de civismo disse a quem quisesse ouvir que era normal um homem “sair uns tapas na mulher, afinal quem nunca tinha feito isto?". Gastaram-se mais páginas nas revistas censurando a falta de sutiã do que a falta de decência desse cidadão, e seu desserviço prestado à sociedade.
Essa confissão deveria ser vista não como uma fala individual, mas como uma confissão social da violência à qual as mulheres são submetidas todos os dias, e sussitado maiores discussões sobre o assunto. Mas não foi o que aconteceu.
O assunto, claro foi enterrado, e esta semana também se enterrará(caso encontrem o corpo) mais uma das vítimas dessa violência de gênero.
O suspeito do crime? O mesmo autor da pérola à cima, o que sempre achou normal bater em mulher.
Mas o importante claro, é que a moça seja enterrada muito bem vestida ( caso o corpo esteja inteiro) e claro de sutiã. Pois dependendo da roupa que nela esteja em seu velório, pode alguém dizer: “Ah! mais usando roupas assim, dá pra ver que não era uma moça que merecesse respeito.

O Brasil é o país do futebol. Até que ponto isso é bom?

O Brasil é o país do futebol. Esta é uma das frases mais ouvidas por nós, brasileiros, sobretudo em tempos de Copa do Mundo, quando ser bom de bola é o motivo de orgulho maior que ser Nobel de literatura. Prova disto é que entre um jogo e outro, o grande José Saramago transcendeu, (não morreu, porque é um imortal) e quase não houve espaço na mídia para esse acontecimento, uma vez que os programas estavam entretidos com as “vuvuzelas” e as “jabulanes”. São poucos no país que sabem quem “é” José Saramago, nenhuma das crianças entretidas com as notícias sobre futebol sonha em ser como Saramago, ou João Ubaldo Ribeiro. Mas todas elas sabem quem é Adriano e Wagner Love, muitos lamentam o fato de ambos não terem sido escalados para a seleção, mais do que muitos dos nossos intelectuais lamentaram a transcendência de Saramago.
E é exatamente isso que me preocupa. Saber quem são os ídolos de nossas crianças nos faz saber a sociedade em que vivemos e imaginar a que teremos daqui a alguns anos. Uma sociedade iletrada que não conhece seus intelectuais, e não reconhecem a produção literária como um valor.
De forma nenhuma estou desqualificando o talento e a arte de nossos “heróis” esportivos, mas me preocupo muito ao me deparar com notícias sobre suspeito envolvimento de nossos “jogadores ídolos” com o tráfico de drogas.
Nenhumas de nossas crianças pobres, negras e de periferia sonham em pertencer à academia de letras, a ganhar um Nobel. Mas praticamente todas já se imaginaram, mesmo que por um minuto, fazendo um belo gol, na decisão de um campeonato, e correndo de braços abertos para a enorme torcida gritando o seu nome, e o “adorando”, mesmo sendo ele negro, mesmo tendo ele nascido na favela, mesmo não sabendo ele quem é José Saramago, falando “menas”, “probrema” e “mermo”.
Não deveria ser assim, mas, nossos jogadores de salários milionários, (jamais alcançados por um acadêmico, diga-se de passagem), são o maior exemplo para essas crianças desmotivadas e sem perspectiva de futuro. Vêem nesses homens sua chance de vitória. Vê-los desfilar em carros caros, com belas loiras siliconadas, é um arroto na cara de nossa elite branca e intelectual que jamais os olhou com bons olhos, que nunca os chamou pelo nome.
E vê-los ostentando armas mortíferas, passeando ao lado de traficantes perigosos e justificando tais atitudes com frases do tipo “isso é normal”? Que tipo de tradução nossas crianças e jovens fazem disso?
Se nossos jogadores “heróis” escolheram ser exemplo, eu não sei. Mas gostam de ser ídolos, e deveriam ter responsabilidade social sobre isso.
Ser país do futebol pode significar muito mais do que ser penta campeão mundial. Pode nos apontar para as perversas questões de exclusão étnico-social, e para as péssimas condições de nossa educação pública que não dá a nossa juventude outras possibilidades de sonhar.