Tenho pressa de vivermos no “tal tempo da delicadeza”, que Chico Buarque tão poeticamente profetiza. Mas parece que estamos muito longe disto. Se formos pensar nos filhos que estão sendo deixados para esse planeta, tão logo estaremos no tempo da boçalidade. Atualmente vivemos alienadamente, no tempo da imbecilidade, quando ser fútil e superficial premia por meritocracia.
Não sou mãe, não ainda, talvez por isso as pessoas fiquem irritadas quando critico alguns métodos de educação que tenho presenciado nas escolas por onde trabalho. “ É fácil dizer, você não é mãe”, “ É fácil por a culpa nos pais.” Escuto essas frases, sempre que chamo o pai ou mãe de um dos meus alunos à sua responsabilidade legal de zelar pela educação de seus filhos. Mas garanto que não precisa ser pai ou mãe para saber que alimentar hábitos de consumo exagerados, não cobrar responsabilidades, não impor limites, e não dar carinho, torna todo o resultado do processo de formação humana comprometido.
Estamos formando jovens intolerantes, insensíveis e criminosos. Parece fácil falar sobre isso quando lidamos com pessoas pobres, pretas e faveladas, a sociedade preconceituosa em que vivemos parece já esperar que desse grupo de excluídos saiam predadores sociais. No entanto o terreno se torna mais arenoso quando os tais predadores sociais são filhos da classe média, pessoas de pele clara, de carros novos, que estudaram em boas escolas, que se entupiram de danoninho, que ganharam os melhores presentes de Natal.
Na última terça-feira, (dia 8), um professor universitário de 39 anos foi vítima de um desses predadores. Assassinado em seu local de trabalho com requintes de torturas. Seu algoz? Hamilton Loyola Caíres, um jovem “universiotário”, que já havia sido expulso de outra faculdade por agressão a um professor. Mas você nunca tinha ouvido falar nesse rapaz, não é? Aposto que nem sabia que professores de escolas particulares são constantemente agredidos. Essas notícias raramente vazam do espaço da elite privilegiada. Suas vítimas raramente denunciam, são convencidos, ou melhor, intimidados a ficarem calados, para não perderem seus “ótimos” empregos em escola de “gente rica e educada”, e ter que conviver com os “marginais” das escolas públicas.
“_ Ele era um folgado”, foi isso que o rapaz disse, um folgado, “por isso, eu que não sou, que respeito o espaço do outro, resolvi matá-lo”, foi isso que ele quis dizer. Fico me perguntando sobre que educação esse rapaz teria recebido de seus pais. Será que aprendeu a ter limites?Será que ouviu nãos suficientes? Será que recebeu o afeto necessário para aprender a respeitar o direito à vida que toda forma de vida têm? Será que foi suficientemente cobrado em seus deveres, e cotidianamente lembrado de suas responsabilidades? Será que aprendeu a tolerar as diferenças, e a assumir as conseqüências de seus atos?
Vivemos a geração do playstation. A geração do vazio, do superficial. Pais entupindo seus filhos de presentes caros, de mídias diversas, de músicas e jogos vazios. Crianças crescendo cercadas pelo excesso, pelo exagero do ter, desprovidos da simplicidade do ser. Freqüentadores de escolas caras que preparam para a competição e não para a fraternidade e todos os outros conceitos importantes para uma saudável vida em sociedade. Filhos de pais que não ouvem, não vêem, não falam.Que não dão livros a seus filhos, muito menos conselhos, simplesmente os protegem.
Sim, protegem, estão sempre prontos para proteger seus filhos da péssima educação que lhes legaram. Imagino que já deitam em suas camas pensando no que farão, quando o telefone tocar na madrugada e forem seus “bebês”, ligando de seus celulares caríssimos, envolvidos em alguma “merda”, precisando de uma propina, um carro de fuga, um advogado.
Fico imaginando que foi assim que se sentiu o pai de Alexandre Nardone , quando o telefone tocou e era seu filho dizendo, “pai, joguei minha filha pela janela, preciso de ajuda”, de Rafael Bussamra, quando ouviu: “pai matei um skaitista, preciso de propina”, ou a mãe de Cáren Brum Paim, ao ouvir: “mãe, matei minha namorada, preciso de esconder o corpo”. Todos eles, e muitos outros como eles, ajudando seus filhos, tentando concertar, ou esconder a “merda”, que eles mesmos fizeram.
Não conheço os pais desse Hamilton Loyola Caíres, nem sei como estão reagindo, mas conheço bem o perfil de nossa classe média. Pais e mães fanáticos por ganhar dinheiro, por comprar, por aparentar. Que tem cotidianamente delegado a função de cuidar dos filhos ao playstation, às escolas, aos amiguinhos, que como eles, são “órfãos de pais vivos”, todos eles “senhores das moscas”, vazios, violentos, sem consciência social, sem consciência pessoal, perdidos na selva da globalização, escondidos atrás de redes sociais virtuais, colecionando amigos no orkut, seguidores no twitter, quando na verdade não têm nada a dizer e são incapazes de conviver em sociedade.
Realmente não tenho filhos, e de tanto receber notícias de jovens que agridem pessoas porque são negras ou homossexuais, que matam seus professores por que ficaram com nota baixa, que se formam profissionais universitários sem nunca terem lido um livro se quer... Tenho medo. Tenho medo de criar filhos com os valores que acredito serem essenciais para a vida e o convívio em sociedade, e acabarem, como tantos por aí, vítimas desses jovens, ou melhor, dessas famílias, ilimitadas e inconseqüentes, totalmente desprovidos desses valores. Tenho medo que meus filhos se tornem vítimas desses jovens educados pelo playstation .
Monique Pacheco
Professora e Bacharel em história pela PUC-MG
moniquenajara.eu@ig.com.br
blog: moniquenajaraapacheco.blogspot.com
ESTE BLOG TEM COMO OBJETIVO PARTILHAR ALGUMAS OPINIÕES, CRÍTICAS E REFLEXÕES SOBRE DIVERSOS TEMAS COMO, EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICA, SEJAM BEM VINDOS...
QUANDO ALGUÉM PERGUNTA A UM AUTOR, O QUE ESTE QUIS DIZER, É POR QUE UM DOS DOIS É BURRO.
MARIO QUINTANA
MARIO QUINTANA
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
Só pra lembrar, playstation não educa filhos.
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
É professor? Do Estado? Votou na gangue do Aécio? “Fi, cê tem “pobrema””
Após brigar, esbravejar, xingar e até ofender os nossos caros colegas professores, principalmente os da rede estadual que deram seu precioso voto para a gangue do Aécio, venho aqui me reiterar com um pedido de desculpas. Afinal professor, você não precisa de castigo, o castigo certamente lhe será dado nesses próximos quatro anos, você precisa é de ajuda.
Mas claro, para que possa ser ajudado, você precisa primeiro admitir que tem “pobrema”. (só não admita em público, pois pode correr o risco de ser agredido por algum colega que nesse momento está insano de raiva e decepção com os traidores da classe). Mas admita, para você mesmo. Diga em frente ao espelho. Meu nome é fulano, votei no Anastásia, no Aécio e no Itamar, tenho “pobrema” e preciso de ajuda.
Depois dessa difícil declaração de culpa, o segundo passo é descobrir o grau da patologia que lhe acomete.
Se você é do tipo que tem vergonha de dizer que votou, que prefere folhear uma revista, pedir receita de bolo, ou falar de futebol quando o assunto surge na sala dos professores, fique calmo. Seu caso é passível de cura.
Você sabe que votou errado, que agiu em um momento de fraqueza por medo de perder o 14º ou de a inconstitucional LC100 cair, haver um concurso e você perder a seu emprego. Calma é compreensível. Anos recebendo esse salário péssimo, sem condições para assinar uma revista, para fazer um curso de atualização, para comprar um livro, te deixou inseguro, com medo de não passar em um concurso público. A gente entende, você está com baixa auto-estima, se sente um profissional medíocre. É assim mesmo que a gangue do Aécio quer que você se sinta. Você é uma vítima do sistema.
O que resta a você agora, é tentar agüentar mais quatro anos de humilhação e procurar se informar e se preparar mais para perder esse medo de concurso que você tem. E claro, tentar se livrar do vício do 14º, aos poucos. Ao invés de usá-lo para pagar novas dívidas, use-o para investir em cursos de reciclagem, para comprar livros. Dessa forma irá vencer a gangue do Aécio com as armas deles mesmos.
Mas se você é do tipo que se orgulha de ter votado, que bate no peito para dizer que contribui com essa catástrofe, que defende a linha verde, (mesmo morando em Contagem,Betim, Esmeraldas, Nova Lima e adjacências interioranas, e jamais precisar passar por lá, até por que, o que que professor vai fazer em Confins? No máximo buscar um parente sem coragem de gastar 200 reais em Táxi). Que tem orgulho de ter em seu Estado um cartão postal tão lindo quanto a cidade administrativa, (que aliás é inadministrável, pois está afundando em solo argiloso, levando mais de dois bilhões de dinheiro público para o buraco). E se sente orgulhoso de saber que o achatamento de seu salário nos últimos oito anos, contribuiu com o “eficiente” choque de gestão, e por tanto, com a faraônica cidade adiministrativa...
Seu caso é mais grave. Está hipnotizado pelas centenas de propagandas do Aécio que passam o dia inteiro na televisão, e que estão em todos os jornais. Seu caso é tão grave que acreditou na “competência” de Aécio e Anastásia e votou no Itamar só por que eles pediram.
Seu tratamento é mais longo, vai precisar de um pouco mais de senso crítico. Por isso a primeira coisa a fazer é parar de assistir televisão e de ler o Super. Mas se essas forem as únicas fontes de entretenimento e informação que seu salário lhe permite, vai ter que fazer uma terapia diária, para parar de dar crédito á essas propagandas. Acredite meu amigo, é tudo mentira, sim mentira como coelhinho da páscoa, Papai Noel e aumento salarial, só ilusão. Não acredite no que dizem aqueles simpáticos atores globais, é tudo mentira.
É só você olhar para a escola em que você trabalha, parece com a da propaganda? Os hospitais são tão bonitos como os da propaganda? As pessoas que você conhece que usam os serviços públicos de saúde estão tão satisfeitos quanto os da propaganda? Você conhece alguma professora do Estado tão feliz e bem vestida como a da propaganda? Então meu filho, é tudo mentira. Mas agente te perdoa por ter sido enganado, afinal foram muito mais de oito milhões do seu dinheiro investidos nisso.
Diga, isso é mentira, toda vez que perceber que está sendo tocado por essas propagandas. Repita, e reflita, você tem mais quatro anos para se curar, e nós precisamos que você se cure. Ah! É muito importante que esse tratamento seja feito por toda a família, que a esse momento deve estar toda contaminada.
Mas meu amigo, se você só votou na gangue por falta de opção, sinceramente, tô com medo de você. Deve procurar ajuda urgentemente, pois é o mais nocivo de todos dado o seu perigo de contágio. Está alienado, sendo usado como massa de manobra do sistema, e considerando sua influencia direta com as crianças e jovens pelo exercício de seu papel social de formador de opinião, pode, somado á péssima qualidade de educação que essas crianças têm acesso e às famílias em que são criadas, infectar toda uma geração com sua apatia e falta de ideologia política.
Se ainda é jovem tem chance de cura. Procure se politizar urgentemente para parar de se influenciar por pesquisas, e sair do senso comum.
Mas se é do tipo que passou a vida toda trabalhando no Estado, que não lê, não discute política, acha que político é tudo igual, está esperando “só” mais dez anos para se aposentar e como já tem férias premio, biênio, qüinqüênio, triênio, para você tanto faz como tanto fez, você não tem cura, virou arma do sistema, objeto ativo de destruição das ideologias, deve ser tirado logo de circulação. Seu título de eleitor se tornou uma arma letal. Amigo, você não vota, comete crimes contra a sociedade. Acredito que votou em Pinduca, Newton Cardoso, João Bosco do New Texas, e até sei por que, por que eles nasceram na sua terra, foram seus vizinhos, te ajudaram quando veio da roça, asfaltaram seu bairro. Torço do fundo do coração para que se aposente logo.
E você colega de escola, que está revoltado com seus colegas eleitores da gangue, tente entender. “Es tem pobrema”. Estão todos doentes e precisam de ajuda e compreensão. Tente identificar o grau do “pobrema”. Nos primeiro e segundo casos você pode ajudar. Dê-lhes um abraço, diga que os entende e os perdoa, tenha paciência e persistência, pois eles vão resistir. O terceiro caso, dependendo das condições apresentadas acima está perdido, o melhor é se afastar e se imunizar com doses diárias de informação e senso crítico.
Boa sorte.
Ah! Já ia me esquecendo. Se você é rico, dono de empreiteiras de construção civil, de empresas de ônibus, de agencias de publicidade, de hospitais e escolas particulares, e só leciona por hobby. Desconsidere os dizeres à cima. Você não tem “pobrema” não. Votou certo. Rico tem mais é que votar na gangue do Aécio e em todos os outros candidatos do PSDB, por que vou te contar viu, o governim que é bom pros rico, benzadeus....
Monique Pacheco
Professora e bacharel em história pela PUC-MG
e-mail: moniquenajara.eu@ig.com.br
blog: moniquenajaraapacheco.blogspot.com
Mas claro, para que possa ser ajudado, você precisa primeiro admitir que tem “pobrema”. (só não admita em público, pois pode correr o risco de ser agredido por algum colega que nesse momento está insano de raiva e decepção com os traidores da classe). Mas admita, para você mesmo. Diga em frente ao espelho. Meu nome é fulano, votei no Anastásia, no Aécio e no Itamar, tenho “pobrema” e preciso de ajuda.
Depois dessa difícil declaração de culpa, o segundo passo é descobrir o grau da patologia que lhe acomete.
Se você é do tipo que tem vergonha de dizer que votou, que prefere folhear uma revista, pedir receita de bolo, ou falar de futebol quando o assunto surge na sala dos professores, fique calmo. Seu caso é passível de cura.
Você sabe que votou errado, que agiu em um momento de fraqueza por medo de perder o 14º ou de a inconstitucional LC100 cair, haver um concurso e você perder a seu emprego. Calma é compreensível. Anos recebendo esse salário péssimo, sem condições para assinar uma revista, para fazer um curso de atualização, para comprar um livro, te deixou inseguro, com medo de não passar em um concurso público. A gente entende, você está com baixa auto-estima, se sente um profissional medíocre. É assim mesmo que a gangue do Aécio quer que você se sinta. Você é uma vítima do sistema.
O que resta a você agora, é tentar agüentar mais quatro anos de humilhação e procurar se informar e se preparar mais para perder esse medo de concurso que você tem. E claro, tentar se livrar do vício do 14º, aos poucos. Ao invés de usá-lo para pagar novas dívidas, use-o para investir em cursos de reciclagem, para comprar livros. Dessa forma irá vencer a gangue do Aécio com as armas deles mesmos.
Mas se você é do tipo que se orgulha de ter votado, que bate no peito para dizer que contribui com essa catástrofe, que defende a linha verde, (mesmo morando em Contagem,Betim, Esmeraldas, Nova Lima e adjacências interioranas, e jamais precisar passar por lá, até por que, o que que professor vai fazer em Confins? No máximo buscar um parente sem coragem de gastar 200 reais em Táxi). Que tem orgulho de ter em seu Estado um cartão postal tão lindo quanto a cidade administrativa, (que aliás é inadministrável, pois está afundando em solo argiloso, levando mais de dois bilhões de dinheiro público para o buraco). E se sente orgulhoso de saber que o achatamento de seu salário nos últimos oito anos, contribuiu com o “eficiente” choque de gestão, e por tanto, com a faraônica cidade adiministrativa...
Seu caso é mais grave. Está hipnotizado pelas centenas de propagandas do Aécio que passam o dia inteiro na televisão, e que estão em todos os jornais. Seu caso é tão grave que acreditou na “competência” de Aécio e Anastásia e votou no Itamar só por que eles pediram.
Seu tratamento é mais longo, vai precisar de um pouco mais de senso crítico. Por isso a primeira coisa a fazer é parar de assistir televisão e de ler o Super. Mas se essas forem as únicas fontes de entretenimento e informação que seu salário lhe permite, vai ter que fazer uma terapia diária, para parar de dar crédito á essas propagandas. Acredite meu amigo, é tudo mentira, sim mentira como coelhinho da páscoa, Papai Noel e aumento salarial, só ilusão. Não acredite no que dizem aqueles simpáticos atores globais, é tudo mentira.
É só você olhar para a escola em que você trabalha, parece com a da propaganda? Os hospitais são tão bonitos como os da propaganda? As pessoas que você conhece que usam os serviços públicos de saúde estão tão satisfeitos quanto os da propaganda? Você conhece alguma professora do Estado tão feliz e bem vestida como a da propaganda? Então meu filho, é tudo mentira. Mas agente te perdoa por ter sido enganado, afinal foram muito mais de oito milhões do seu dinheiro investidos nisso.
Diga, isso é mentira, toda vez que perceber que está sendo tocado por essas propagandas. Repita, e reflita, você tem mais quatro anos para se curar, e nós precisamos que você se cure. Ah! É muito importante que esse tratamento seja feito por toda a família, que a esse momento deve estar toda contaminada.
Mas meu amigo, se você só votou na gangue por falta de opção, sinceramente, tô com medo de você. Deve procurar ajuda urgentemente, pois é o mais nocivo de todos dado o seu perigo de contágio. Está alienado, sendo usado como massa de manobra do sistema, e considerando sua influencia direta com as crianças e jovens pelo exercício de seu papel social de formador de opinião, pode, somado á péssima qualidade de educação que essas crianças têm acesso e às famílias em que são criadas, infectar toda uma geração com sua apatia e falta de ideologia política.
Se ainda é jovem tem chance de cura. Procure se politizar urgentemente para parar de se influenciar por pesquisas, e sair do senso comum.
Mas se é do tipo que passou a vida toda trabalhando no Estado, que não lê, não discute política, acha que político é tudo igual, está esperando “só” mais dez anos para se aposentar e como já tem férias premio, biênio, qüinqüênio, triênio, para você tanto faz como tanto fez, você não tem cura, virou arma do sistema, objeto ativo de destruição das ideologias, deve ser tirado logo de circulação. Seu título de eleitor se tornou uma arma letal. Amigo, você não vota, comete crimes contra a sociedade. Acredito que votou em Pinduca, Newton Cardoso, João Bosco do New Texas, e até sei por que, por que eles nasceram na sua terra, foram seus vizinhos, te ajudaram quando veio da roça, asfaltaram seu bairro. Torço do fundo do coração para que se aposente logo.
E você colega de escola, que está revoltado com seus colegas eleitores da gangue, tente entender. “Es tem pobrema”. Estão todos doentes e precisam de ajuda e compreensão. Tente identificar o grau do “pobrema”. Nos primeiro e segundo casos você pode ajudar. Dê-lhes um abraço, diga que os entende e os perdoa, tenha paciência e persistência, pois eles vão resistir. O terceiro caso, dependendo das condições apresentadas acima está perdido, o melhor é se afastar e se imunizar com doses diárias de informação e senso crítico.
Boa sorte.
Ah! Já ia me esquecendo. Se você é rico, dono de empreiteiras de construção civil, de empresas de ônibus, de agencias de publicidade, de hospitais e escolas particulares, e só leciona por hobby. Desconsidere os dizeres à cima. Você não tem “pobrema” não. Votou certo. Rico tem mais é que votar na gangue do Aécio e em todos os outros candidatos do PSDB, por que vou te contar viu, o governim que é bom pros rico, benzadeus....
Monique Pacheco
Professora e bacharel em história pela PUC-MG
e-mail: moniquenajara.eu@ig.com.br
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quinta-feira, 16 de setembro de 2010
Por que ainda não aprendemos a lidar com a democracia?
É consensual a idéia de que brasileiro não sabe lidar com democracia. Não faz bom uso do seu voto, não sabe cobrar as promessas de campanha, não monitora seus representantes durante o mandato, recebe com passividade as notícias de uso ilegal do dinheiro e da função pública, e por fim, reelege os maus políticos sucessivamente.
Seria muita ingenuidade negar tal realidade, mas é também muita intransigência querer comparar a nossa jovem democracia com modelos europeus, consolidados em um processo de formação longo e gradual, que em pouco ou nada se assemelha com o nosso.
Se fizermos um panorama rápido e simplista da história da república brasileira, nos depararemos com um óbvio que incomoda, temos mais experiências em golpes políticos e regimes antidemocráticos do que em pleitos presidenciais.
A história da nossa república, que de pública não tinha nada, já começa com um golpe militar, tramado pelas elites brasileiras. Após o curto período militar, outro golpe, tramado em gabinetes aristocráticos coloca o poder nas mãos das oligarquias cafeeiras, que sufocavam e subjugavam a participação popular, usando a tal democracia apenas para consolidar, com eleições de fachada, decisões políticas tomadas muito anteriormente nas salas dos coronéis.
Com o fim da política oligárquica (dado através de outro golpe, diga-se de passagem), nosso pleno exercício democrático continuou aguardando por mais 15 anos, para poder entrar em cena. Foram anos de ditadura varguista, que por seu caráter carismático e paternalista, quase convenceu o povo de que ditadura era uma coisa boa. Ainda mais sabendo que totalitarismo era, nesse período, a última moda na Europa, e que para todo o mundo a expressão “participação popular” soava como ameaça comunista e instabilidade político-economica.
Acabada a Segunda Guerra, e paralelamente o governo Vargas, nossa democracia tenta novamente se estabilizar junto à cidadania brasileira. Ledo engano, a volta de Vargas “pelos braços do povo” mostrou mais uma vez que o país não estava preparado para lidar com ela. E após um curto período de liberdade que coincidiu com os equivocados governos dos J’s ( Juscelino, Jânio e Jango), a democracia “perde a liberdade condicional, e retorna à prisão”.
Foram vinte e um anos de ditadura, toda uma geração aprendendo a receber a política pronta, acreditando que falar sobre política era crime, quase pecado tentar libertá-la da “Bastilha” na qual vivia enclausurada, por representar “risco à ordem social”, estando aqueles que o tentasse, condenados à morte ou coisa pior.
Com o fim da ditadura militar e os quatro mal fadados anos do governo Sarney, a tal cidadania pode finalmente ter o tão esperado reencontro com a democracia. E aí o eleitor que em sua maioria jamais tinha elegido um presidente, resolveu escolher um que em nada tivesse a ver com o espírito senil dos militares que tão bem conheceram. Elegeram um homem jovem, bonito e esportista, tudo que o país precisava.
O restante da história, todos nós conhecemos, impeachment, vice no poder. O governo FHC, que não só inventou o real, mas também a reeleição presidencial, pela qual o brasileiro se apaixonou - talvez por um saudosismo varguista - e provou essa paixão com os dois mandatos de Lula, que pelo que parece, seriam três, se a lei assim permitisse.
Em síntese podemos perceber que o brasileiro tem pouquíssima experiência em eleger presidentes, fato que se soma com outros complicadores, como a falta de instrução, a dificuldade do eleitor de lidar com informações e de entender essa miscelânea partidária que enlouquece qualquer cientista político dado à falta de coerência e ideologia que permeiam as alianças.
Atualmente o país brinca de ser democrático, transforma o horário político em apresentações de “stand up comedy” com direito a humoristas profissionais. E pior, a tal democracia que se aproveita de personagens pouco convencionais para se dizer ampla e irrestrita, acaba por ser uma disputa de quem tem mais “amiguinhos ricos” e influentes, ou seja, para poucos, os mesmos.
Ainda de forma superficial, podemos concluir que a democracia no Brasil é pouco funcional principalmente porque é conservadora e tem orgulho de sê-la. Ainda aristocrática, decide as disputas eleitorais em gabinetes de grandes empresários. Têm apego à reeleição e a perpetuação de oligarquias e até teocracias no poder. Possui uma justiça eleitoral que parece seguir aquele já velho e conhecido critério do “você sabe com quem está falando?”. E pior, acusa o eleitor, confuso, imediatista e pouco instruído, (como de fato tem que ser, dada qualidade da educação pública do país), que exerce o voto por obrigação legal, e não por interesse ideológico, de ser o responsável pelas mazelas políticas do país.
Se hoje o eleitorado continua sendo massa de manobra de uma democracia debilitada, é porque foi vítima de uma construção política marcada muito mais pelo clientelismo e pelo poder do mando e da força bruta, do que pelo cultivo e valorização da participação popular.
Monique Pacheco
Bacharel e Licenciada em História
Blog: moniquenajaraapacheco.blogspot.com
e-mail: moniquenajara.eu@ig.com.br
Seria muita ingenuidade negar tal realidade, mas é também muita intransigência querer comparar a nossa jovem democracia com modelos europeus, consolidados em um processo de formação longo e gradual, que em pouco ou nada se assemelha com o nosso.
Se fizermos um panorama rápido e simplista da história da república brasileira, nos depararemos com um óbvio que incomoda, temos mais experiências em golpes políticos e regimes antidemocráticos do que em pleitos presidenciais.
A história da nossa república, que de pública não tinha nada, já começa com um golpe militar, tramado pelas elites brasileiras. Após o curto período militar, outro golpe, tramado em gabinetes aristocráticos coloca o poder nas mãos das oligarquias cafeeiras, que sufocavam e subjugavam a participação popular, usando a tal democracia apenas para consolidar, com eleições de fachada, decisões políticas tomadas muito anteriormente nas salas dos coronéis.
Com o fim da política oligárquica (dado através de outro golpe, diga-se de passagem), nosso pleno exercício democrático continuou aguardando por mais 15 anos, para poder entrar em cena. Foram anos de ditadura varguista, que por seu caráter carismático e paternalista, quase convenceu o povo de que ditadura era uma coisa boa. Ainda mais sabendo que totalitarismo era, nesse período, a última moda na Europa, e que para todo o mundo a expressão “participação popular” soava como ameaça comunista e instabilidade político-economica.
Acabada a Segunda Guerra, e paralelamente o governo Vargas, nossa democracia tenta novamente se estabilizar junto à cidadania brasileira. Ledo engano, a volta de Vargas “pelos braços do povo” mostrou mais uma vez que o país não estava preparado para lidar com ela. E após um curto período de liberdade que coincidiu com os equivocados governos dos J’s ( Juscelino, Jânio e Jango), a democracia “perde a liberdade condicional, e retorna à prisão”.
Foram vinte e um anos de ditadura, toda uma geração aprendendo a receber a política pronta, acreditando que falar sobre política era crime, quase pecado tentar libertá-la da “Bastilha” na qual vivia enclausurada, por representar “risco à ordem social”, estando aqueles que o tentasse, condenados à morte ou coisa pior.
Com o fim da ditadura militar e os quatro mal fadados anos do governo Sarney, a tal cidadania pode finalmente ter o tão esperado reencontro com a democracia. E aí o eleitor que em sua maioria jamais tinha elegido um presidente, resolveu escolher um que em nada tivesse a ver com o espírito senil dos militares que tão bem conheceram. Elegeram um homem jovem, bonito e esportista, tudo que o país precisava.
O restante da história, todos nós conhecemos, impeachment, vice no poder. O governo FHC, que não só inventou o real, mas também a reeleição presidencial, pela qual o brasileiro se apaixonou - talvez por um saudosismo varguista - e provou essa paixão com os dois mandatos de Lula, que pelo que parece, seriam três, se a lei assim permitisse.
Em síntese podemos perceber que o brasileiro tem pouquíssima experiência em eleger presidentes, fato que se soma com outros complicadores, como a falta de instrução, a dificuldade do eleitor de lidar com informações e de entender essa miscelânea partidária que enlouquece qualquer cientista político dado à falta de coerência e ideologia que permeiam as alianças.
Atualmente o país brinca de ser democrático, transforma o horário político em apresentações de “stand up comedy” com direito a humoristas profissionais. E pior, a tal democracia que se aproveita de personagens pouco convencionais para se dizer ampla e irrestrita, acaba por ser uma disputa de quem tem mais “amiguinhos ricos” e influentes, ou seja, para poucos, os mesmos.
Ainda de forma superficial, podemos concluir que a democracia no Brasil é pouco funcional principalmente porque é conservadora e tem orgulho de sê-la. Ainda aristocrática, decide as disputas eleitorais em gabinetes de grandes empresários. Têm apego à reeleição e a perpetuação de oligarquias e até teocracias no poder. Possui uma justiça eleitoral que parece seguir aquele já velho e conhecido critério do “você sabe com quem está falando?”. E pior, acusa o eleitor, confuso, imediatista e pouco instruído, (como de fato tem que ser, dada qualidade da educação pública do país), que exerce o voto por obrigação legal, e não por interesse ideológico, de ser o responsável pelas mazelas políticas do país.
Se hoje o eleitorado continua sendo massa de manobra de uma democracia debilitada, é porque foi vítima de uma construção política marcada muito mais pelo clientelismo e pelo poder do mando e da força bruta, do que pelo cultivo e valorização da participação popular.
Monique Pacheco
Bacharel e Licenciada em História
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quinta-feira, 1 de julho de 2010
Abaixo o sutiã e a violência à mulher
Há alguns meses vêm circulando em algumas revistas de opinião imagens de mulheres famosas em lugares e eventos públicos sem sutiã. Não, elas não estavam nuas, estavam muito bem vestidas, mas a censura estampada nas matérias à ausência da peça “totêmica” era tanta, que se as moças tivessem vestidas a lá “É o tcham”, teriam sido menos criticadas.
O sutiã é mais que uma peça íntima, é um símbolo do controle social, sobre o corpo da mulher. A mulher já conquistou lugares na sociedade antes apenas ocupados por homens, estão à frente das empresas, das tropas militares, da presidência de alguns países, mas não tem o direito de sair a rua com uma camiseta larga sem sutiã. É como se a nossa sociedade machista dissesse: Isso não, eu ainda tenho o controle sobre seu corpo.
Essa é a verdade que nenhuma mulher quer admitir. O corpo dela ainda não é dela. A mulher é ainda uma “costela de Adão”, o corpo dela é visto como uma propriedade social. São vários os indícios que confirmam essa afirmação, podemos citar, por exemplo, o olhar acusador que se lança sobre a mulher que opta por não ter filhos, e/ou principalmente, os altos índices de violência que as mulheres de todas as classes sociais sofrem diariamente, por pais, irmãos, cônjuges ou desconhecidos.
A sociedade chega até a, sem nenhum pudor, justificar estupros com frases do tipo:” Ah, mais com essa roupa, andando nesse lugar, nesse horário, ela estava querendo isso mesmo”.
Outro dia, um dos nossos “exemplares” jogadores de futebol, em uma de suas belas demonstrações de civismo disse a quem quisesse ouvir que era normal um homem “sair uns tapas na mulher, afinal quem nunca tinha feito isto?". Gastaram-se mais páginas nas revistas censurando a falta de sutiã do que a falta de decência desse cidadão, e seu desserviço prestado à sociedade.
Essa confissão deveria ser vista não como uma fala individual, mas como uma confissão social da violência à qual as mulheres são submetidas todos os dias, e sussitado maiores discussões sobre o assunto. Mas não foi o que aconteceu.
O assunto, claro foi enterrado, e esta semana também se enterrará(caso encontrem o corpo) mais uma das vítimas dessa violência de gênero.
O suspeito do crime? O mesmo autor da pérola à cima, o que sempre achou normal bater em mulher.
Mas o importante claro, é que a moça seja enterrada muito bem vestida ( caso o corpo esteja inteiro) e claro de sutiã. Pois dependendo da roupa que nela esteja em seu velório, pode alguém dizer: “Ah! mais usando roupas assim, dá pra ver que não era uma moça que merecesse respeito.
O sutiã é mais que uma peça íntima, é um símbolo do controle social, sobre o corpo da mulher. A mulher já conquistou lugares na sociedade antes apenas ocupados por homens, estão à frente das empresas, das tropas militares, da presidência de alguns países, mas não tem o direito de sair a rua com uma camiseta larga sem sutiã. É como se a nossa sociedade machista dissesse: Isso não, eu ainda tenho o controle sobre seu corpo.
Essa é a verdade que nenhuma mulher quer admitir. O corpo dela ainda não é dela. A mulher é ainda uma “costela de Adão”, o corpo dela é visto como uma propriedade social. São vários os indícios que confirmam essa afirmação, podemos citar, por exemplo, o olhar acusador que se lança sobre a mulher que opta por não ter filhos, e/ou principalmente, os altos índices de violência que as mulheres de todas as classes sociais sofrem diariamente, por pais, irmãos, cônjuges ou desconhecidos.
A sociedade chega até a, sem nenhum pudor, justificar estupros com frases do tipo:” Ah, mais com essa roupa, andando nesse lugar, nesse horário, ela estava querendo isso mesmo”.
Outro dia, um dos nossos “exemplares” jogadores de futebol, em uma de suas belas demonstrações de civismo disse a quem quisesse ouvir que era normal um homem “sair uns tapas na mulher, afinal quem nunca tinha feito isto?". Gastaram-se mais páginas nas revistas censurando a falta de sutiã do que a falta de decência desse cidadão, e seu desserviço prestado à sociedade.
Essa confissão deveria ser vista não como uma fala individual, mas como uma confissão social da violência à qual as mulheres são submetidas todos os dias, e sussitado maiores discussões sobre o assunto. Mas não foi o que aconteceu.
O assunto, claro foi enterrado, e esta semana também se enterrará(caso encontrem o corpo) mais uma das vítimas dessa violência de gênero.
O suspeito do crime? O mesmo autor da pérola à cima, o que sempre achou normal bater em mulher.
Mas o importante claro, é que a moça seja enterrada muito bem vestida ( caso o corpo esteja inteiro) e claro de sutiã. Pois dependendo da roupa que nela esteja em seu velório, pode alguém dizer: “Ah! mais usando roupas assim, dá pra ver que não era uma moça que merecesse respeito.
O Brasil é o país do futebol. Até que ponto isso é bom?
O Brasil é o país do futebol. Esta é uma das frases mais ouvidas por nós, brasileiros, sobretudo em tempos de Copa do Mundo, quando ser bom de bola é o motivo de orgulho maior que ser Nobel de literatura. Prova disto é que entre um jogo e outro, o grande José Saramago transcendeu, (não morreu, porque é um imortal) e quase não houve espaço na mídia para esse acontecimento, uma vez que os programas estavam entretidos com as “vuvuzelas” e as “jabulanes”. São poucos no país que sabem quem “é” José Saramago, nenhuma das crianças entretidas com as notícias sobre futebol sonha em ser como Saramago, ou João Ubaldo Ribeiro. Mas todas elas sabem quem é Adriano e Wagner Love, muitos lamentam o fato de ambos não terem sido escalados para a seleção, mais do que muitos dos nossos intelectuais lamentaram a transcendência de Saramago.
E é exatamente isso que me preocupa. Saber quem são os ídolos de nossas crianças nos faz saber a sociedade em que vivemos e imaginar a que teremos daqui a alguns anos. Uma sociedade iletrada que não conhece seus intelectuais, e não reconhecem a produção literária como um valor.
De forma nenhuma estou desqualificando o talento e a arte de nossos “heróis” esportivos, mas me preocupo muito ao me deparar com notícias sobre suspeito envolvimento de nossos “jogadores ídolos” com o tráfico de drogas.
Nenhumas de nossas crianças pobres, negras e de periferia sonham em pertencer à academia de letras, a ganhar um Nobel. Mas praticamente todas já se imaginaram, mesmo que por um minuto, fazendo um belo gol, na decisão de um campeonato, e correndo de braços abertos para a enorme torcida gritando o seu nome, e o “adorando”, mesmo sendo ele negro, mesmo tendo ele nascido na favela, mesmo não sabendo ele quem é José Saramago, falando “menas”, “probrema” e “mermo”.
Não deveria ser assim, mas, nossos jogadores de salários milionários, (jamais alcançados por um acadêmico, diga-se de passagem), são o maior exemplo para essas crianças desmotivadas e sem perspectiva de futuro. Vêem nesses homens sua chance de vitória. Vê-los desfilar em carros caros, com belas loiras siliconadas, é um arroto na cara de nossa elite branca e intelectual que jamais os olhou com bons olhos, que nunca os chamou pelo nome.
E vê-los ostentando armas mortíferas, passeando ao lado de traficantes perigosos e justificando tais atitudes com frases do tipo “isso é normal”? Que tipo de tradução nossas crianças e jovens fazem disso?
Se nossos jogadores “heróis” escolheram ser exemplo, eu não sei. Mas gostam de ser ídolos, e deveriam ter responsabilidade social sobre isso.
Ser país do futebol pode significar muito mais do que ser penta campeão mundial. Pode nos apontar para as perversas questões de exclusão étnico-social, e para as péssimas condições de nossa educação pública que não dá a nossa juventude outras possibilidades de sonhar.
E é exatamente isso que me preocupa. Saber quem são os ídolos de nossas crianças nos faz saber a sociedade em que vivemos e imaginar a que teremos daqui a alguns anos. Uma sociedade iletrada que não conhece seus intelectuais, e não reconhecem a produção literária como um valor.
De forma nenhuma estou desqualificando o talento e a arte de nossos “heróis” esportivos, mas me preocupo muito ao me deparar com notícias sobre suspeito envolvimento de nossos “jogadores ídolos” com o tráfico de drogas.
Nenhumas de nossas crianças pobres, negras e de periferia sonham em pertencer à academia de letras, a ganhar um Nobel. Mas praticamente todas já se imaginaram, mesmo que por um minuto, fazendo um belo gol, na decisão de um campeonato, e correndo de braços abertos para a enorme torcida gritando o seu nome, e o “adorando”, mesmo sendo ele negro, mesmo tendo ele nascido na favela, mesmo não sabendo ele quem é José Saramago, falando “menas”, “probrema” e “mermo”.
Não deveria ser assim, mas, nossos jogadores de salários milionários, (jamais alcançados por um acadêmico, diga-se de passagem), são o maior exemplo para essas crianças desmotivadas e sem perspectiva de futuro. Vêem nesses homens sua chance de vitória. Vê-los desfilar em carros caros, com belas loiras siliconadas, é um arroto na cara de nossa elite branca e intelectual que jamais os olhou com bons olhos, que nunca os chamou pelo nome.
E vê-los ostentando armas mortíferas, passeando ao lado de traficantes perigosos e justificando tais atitudes com frases do tipo “isso é normal”? Que tipo de tradução nossas crianças e jovens fazem disso?
Se nossos jogadores “heróis” escolheram ser exemplo, eu não sei. Mas gostam de ser ídolos, e deveriam ter responsabilidade social sobre isso.
Ser país do futebol pode significar muito mais do que ser penta campeão mundial. Pode nos apontar para as perversas questões de exclusão étnico-social, e para as péssimas condições de nossa educação pública que não dá a nossa juventude outras possibilidades de sonhar.
segunda-feira, 31 de maio de 2010
Sobre maconha, crack, cola, cocaína e coca-cola
Dia desses, dando aula sobre Grécia Antiga, resolvi ler para meus alunos alguns capítulos do livro “Os 12 Trabalhos de Hércules” de Monteiro Lobato. Lembrei-me de quanto era prazeroso ler Monteiro Lobato, e como suas fantásticas e ingênuas histórias do Sítio do Pica-pau-amarelo aguçavam a criatividade e a imaginação.
Ao iniciar a leitura para a classe, me espantei ao reencontrar o famoso “pó de pirlimpimpim”, pó mágico que se aspirado levava a pessoa a viajar no tempo e no espaço, proporcionando a seus usuários alucinantes aventuras. Um pouco temerosa olhei de sobressalto para a turma silenciosa(incrível), tentando descobrir se eles tinham pensado o mesmo que eu. Não, o “pó de pirlimpimpim” era só o “pó de pirlimpimpim”, envergonhada de intimamente ter cometido tao sacrilégio contra um dos mais influentes escritores infantis de nosso país, voltei-me a leitura, não sem antes pedir perdão a Deus.
Algum tempo depois mergulhada no último livro de Chico Buarque, Leite Derramado, perdi o que restava da minha inocência, ao ler um trecho que em que o personagem fictício, narrava a sua privilegiada experiência de experimentar, em reuniões da alta-sociedade brasileira, no início do século XX, uma pura e refinada cocaína. É, o “pó de pirlimpimpim” não foi invenção do Monteiro Lobato, já era usado em diversas ocasiões, para grandes “viagens” no tempo e no espaço.
É engraçado pensar, mas houve um tempo que cada coisa tinha seu lugar, a sociedade era organizada, ou pelo menos se pensava assim.
Desta forma a cocaína era droga da elite intelectual, da nobreza, (dizem até que da realeza), e não era problema pra ninguém, porque elite nunca foi problema para o país. Já a maconha, era a droga da geração “maluco beleza”, de uma mentalidade mais burguesa e tinha uma representação romântica e poética na construção de uma identidade jovem e contestadora. E os pobres, pivetes e favelados, cheiravam cola, e a média e baixa burguesia tomavam Coca-Cola.
O crack ninguém conhecia e de traficante também quase não se ouvia dizer, era o tempo da construção da realidade, as pessoa só sabiam, o que se permitia saber. A mídia tinha pouco alcance, e atuava de forma a manter a “Ordem e o Progresso”.
Quando a TV chegou ao Brasil, veio pelas mãos dos militares, as pessoas todas passaram a ouvir falar mais da Coca-Cola, mas criança de rua cheirando cola, não iam ao ar.
Não é a toa que tem gente que afirma que na época dos militares não havia violência. Os únicos crimes que o povo conhecia eram aqueles que “os jovens rebeldes e comunistas”, praticavam contra a “Ordem" e o "Progresso" do Brasil.
E, favela não aparecia na TV, e político não subia o morro. Mas a coca subiu, a cola desceu, e a Coca-Cola continuou sendo privilégio de poucos. Até os nossos bandidos eram caras bacanas. Os famosos malandros, não assustavam ninguém, eram mulherengos, “espertos”, preguiçosos, cachaceiros, vestiam branco, usavam chapéu Panamá, e frequentavam a Lapa, e se andavam armados, era no máximo com uma navalha, que diziam as más línguas estava praticamente aposentada. E crime mesmo quase nada, exploravam prostitutas, bancas de jogo de bicho e de vez em quando batiam umas carteiras de grã-finos distraídos.
Estranho como as coisas mudam, com o fim da ditadura militar e a abertura política do país, sabe-se lá Deus de onde, o traficante apareceu. Como? Os únicos que tinham não tinham morrido na Cidade de Deus? É, com o fim da ditadura militar, a toalha caiu e apareceu o que ninguém queria ver. A favela, a miséria, e a violenta realidade social do Brasil.A sociedade deixou de parecer organizada. Organizado agora era o crime.
Enquanto ninguém via a favela, o traficante atuava, preenchendo os espaços deixados pelo Estado, tal como Coronéis da República Velha. Tomaram para si o Brasil que ninguém queria, que ninguém via, e organizou sua empresa às custas da incompetência do Estado.
Assim a Coca-Cola subiu o morro, o crack apareceu no asfalto, e a maconha circulava livremente pelas escolas e universidades.
E aí não deu pra calar o povo, todos escutavam Bezerra da Silva anunciar: “...É cocada boa, é cocada boa”. O máximo que se podia fazer era fingir que não estava entendendo, mas eles se fizeram por entender.
Incrível, em menos de trinta anos, uma coisa que não existia, tornou-se quase que uma instituição. Os quase inofensivos canivetes se transformaram em pesadas artilharias de guerra, de nome russo, inglês e alemão.
O Estado não teve apenas que admitir sua existência, mas também sua incompetência diante de uma organização que constitúi ao lado do Legislativo do Executivo e do Judiciário um quarto poder, o “Poder Paralelo”.
É obvio que o Estado foi negligente, e hoje paga um preço altíssimo por ter subestimado e ignorado o poder do excluído. O tráfico de drogas é hoje, assim como torturas, mortes e desaparecimentos, uma tenebrosa dívida dos bem-intencionadíssimos militares.
Hoje todo mundo conhece a maconha, o crack, a cocaína e a Coca-Cola, estão em todas as classes sociais e somadas à precária situação da educação pública do país, é atualmente o maior desafio da segurança pública, e deve ser tratado como caso de saúde pública.
É Monteiro Lobato, foi o tempo em que só a Emília tinha acesso aos poderes mágicos do “pó de pirlimpimpim”. Hoje, poucas crianças conhecem a turma do Pica-pau-amarelo, mas muitas sofrem, de forma direta ou indireta, com as conseqüências devastadora do uso indiscriminado do tal “pó”
Monique Pacheco
Professora e Bacharel em História pela PUC- MG
e-mail:moniquenajara.eu@ig.com.br
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Ao iniciar a leitura para a classe, me espantei ao reencontrar o famoso “pó de pirlimpimpim”, pó mágico que se aspirado levava a pessoa a viajar no tempo e no espaço, proporcionando a seus usuários alucinantes aventuras. Um pouco temerosa olhei de sobressalto para a turma silenciosa(incrível), tentando descobrir se eles tinham pensado o mesmo que eu. Não, o “pó de pirlimpimpim” era só o “pó de pirlimpimpim”, envergonhada de intimamente ter cometido tao sacrilégio contra um dos mais influentes escritores infantis de nosso país, voltei-me a leitura, não sem antes pedir perdão a Deus.
Algum tempo depois mergulhada no último livro de Chico Buarque, Leite Derramado, perdi o que restava da minha inocência, ao ler um trecho que em que o personagem fictício, narrava a sua privilegiada experiência de experimentar, em reuniões da alta-sociedade brasileira, no início do século XX, uma pura e refinada cocaína. É, o “pó de pirlimpimpim” não foi invenção do Monteiro Lobato, já era usado em diversas ocasiões, para grandes “viagens” no tempo e no espaço.
É engraçado pensar, mas houve um tempo que cada coisa tinha seu lugar, a sociedade era organizada, ou pelo menos se pensava assim.
Desta forma a cocaína era droga da elite intelectual, da nobreza, (dizem até que da realeza), e não era problema pra ninguém, porque elite nunca foi problema para o país. Já a maconha, era a droga da geração “maluco beleza”, de uma mentalidade mais burguesa e tinha uma representação romântica e poética na construção de uma identidade jovem e contestadora. E os pobres, pivetes e favelados, cheiravam cola, e a média e baixa burguesia tomavam Coca-Cola.
O crack ninguém conhecia e de traficante também quase não se ouvia dizer, era o tempo da construção da realidade, as pessoa só sabiam, o que se permitia saber. A mídia tinha pouco alcance, e atuava de forma a manter a “Ordem e o Progresso”.
Quando a TV chegou ao Brasil, veio pelas mãos dos militares, as pessoas todas passaram a ouvir falar mais da Coca-Cola, mas criança de rua cheirando cola, não iam ao ar.
Não é a toa que tem gente que afirma que na época dos militares não havia violência. Os únicos crimes que o povo conhecia eram aqueles que “os jovens rebeldes e comunistas”, praticavam contra a “Ordem" e o "Progresso" do Brasil.
E, favela não aparecia na TV, e político não subia o morro. Mas a coca subiu, a cola desceu, e a Coca-Cola continuou sendo privilégio de poucos. Até os nossos bandidos eram caras bacanas. Os famosos malandros, não assustavam ninguém, eram mulherengos, “espertos”, preguiçosos, cachaceiros, vestiam branco, usavam chapéu Panamá, e frequentavam a Lapa, e se andavam armados, era no máximo com uma navalha, que diziam as más línguas estava praticamente aposentada. E crime mesmo quase nada, exploravam prostitutas, bancas de jogo de bicho e de vez em quando batiam umas carteiras de grã-finos distraídos.
Estranho como as coisas mudam, com o fim da ditadura militar e a abertura política do país, sabe-se lá Deus de onde, o traficante apareceu. Como? Os únicos que tinham não tinham morrido na Cidade de Deus? É, com o fim da ditadura militar, a toalha caiu e apareceu o que ninguém queria ver. A favela, a miséria, e a violenta realidade social do Brasil.A sociedade deixou de parecer organizada. Organizado agora era o crime.
Enquanto ninguém via a favela, o traficante atuava, preenchendo os espaços deixados pelo Estado, tal como Coronéis da República Velha. Tomaram para si o Brasil que ninguém queria, que ninguém via, e organizou sua empresa às custas da incompetência do Estado.
Assim a Coca-Cola subiu o morro, o crack apareceu no asfalto, e a maconha circulava livremente pelas escolas e universidades.
E aí não deu pra calar o povo, todos escutavam Bezerra da Silva anunciar: “...É cocada boa, é cocada boa”. O máximo que se podia fazer era fingir que não estava entendendo, mas eles se fizeram por entender.
Incrível, em menos de trinta anos, uma coisa que não existia, tornou-se quase que uma instituição. Os quase inofensivos canivetes se transformaram em pesadas artilharias de guerra, de nome russo, inglês e alemão.
O Estado não teve apenas que admitir sua existência, mas também sua incompetência diante de uma organização que constitúi ao lado do Legislativo do Executivo e do Judiciário um quarto poder, o “Poder Paralelo”.
É obvio que o Estado foi negligente, e hoje paga um preço altíssimo por ter subestimado e ignorado o poder do excluído. O tráfico de drogas é hoje, assim como torturas, mortes e desaparecimentos, uma tenebrosa dívida dos bem-intencionadíssimos militares.
Hoje todo mundo conhece a maconha, o crack, a cocaína e a Coca-Cola, estão em todas as classes sociais e somadas à precária situação da educação pública do país, é atualmente o maior desafio da segurança pública, e deve ser tratado como caso de saúde pública.
É Monteiro Lobato, foi o tempo em que só a Emília tinha acesso aos poderes mágicos do “pó de pirlimpimpim”. Hoje, poucas crianças conhecem a turma do Pica-pau-amarelo, mas muitas sofrem, de forma direta ou indireta, com as conseqüências devastadora do uso indiscriminado do tal “pó”
Monique Pacheco
Professora e Bacharel em História pela PUC- MG
e-mail:moniquenajara.eu@ig.com.br
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quarta-feira, 19 de maio de 2010
Desabafo de um professor que lê*.
O maior crime contra a educação pública de nosso país quem tem cometido são os professores. Não, não se ofenda, não estou falando de você professor politizado, que tem total consciência de sua responsabilidade social com a formação crítica e política de seus alunos. Mas de você, que insiste em se calar, em se eximir de sua responsabilidade, que se acomoda e pior, que é conivente com esse sistema excludente e segregador da escola de massas.
Outro dia li em um jornal a triste notícia de que crianças estavam tendo aula dentro de um local, usado pela comunidade para velórios. Fiquei indignada e revoltada, não com a prefeitura e a secretaria de educação apenas, (já é de se esperar que tais órgãos tratem a educação do filho do operário de forma tão leviana), mas com os professores, que se prestam a sair de suas casas para ministrarem aulas em um ambiente desses. Se eles vêem como heroísmo, eu digo que a vilania de tal atitude é de dar medo.
Os professores deveriam ser os primeiros a protestarem contra o descaso público e defenderem os direitos dos alunos a uma educação digna e de qualidade. Mas não, covardemente se escondem atrás de um discurso de “mártir”, para defender, na verdade, seus mais egoístas, imediatistas e medíocres interesses financeiros.
Não conheço esses professores, mas conheço muitos outros ditos “profissionais da educação” que se portam da mesma maneira. É só começar a articular greves e paralisações, visando à conquista de uma digna e justa condição de trabalho e ensino, que esses tais “profissionais” despudoradamente começam a manifestar suas vergonhosas justificativas para continuarem a contribuir com o esfacelamento da educação pública:
“_ Olha, eu até pararia, mas comprei um pacote de viagem para a semana de outubro, e não vou poder pagar a greve. Mas apoio quem para.”
“_ Só não vou parar porque sou contratado, mas quem é efetivo tem mais é que parar mesmo”.
“_ Eu sou bem casada, meu marido ganha bem, meu dinheiro é só para fazer unha, arrumar o cabelo... mas se eu precisasse igual a vocês, eu também entrava em greve.”
“_ Greve? De jeito nenhum, “to” pagando prestações do meu carro, não posso mesmo.”
“_ Vocês tem que fazer greve sim, eu só não participo porque sou indicada do prefeito, tenho um cargo de confiança e não posso ficar me envolvendo nessas coisas.”
E a situação só piora, quando os tais “heróis” da educação se manifestam:
“_ Vocês estão fazendo greve porque não gosta de trabalhar, não pensam nos “coitadinhos” dos alunos, que sempre ficam prejudicados.”
Esse é o tipo de professor que faz parte do grupo que não apenas “dá” aula em velório, mas até em cemitério se tiver oportunidade. Mal sabem que são eles que prejudicam e condenam os estudantes a tal condição de “coitadinhos”.
Outro discurso imperdoável é o do: “mas é que eu estou precisando trabalhar”, esse, chega a ser um dos piores, porque desqualifica o sacrifício dos que lutam, arriscando seu emprego e sua organização financeira, pelo bem-estar de todos. Como se os professores em greve, não fosse receber como conseqüência, apenas um improvável bônus, mas também o provável ônus, que todo movimento desse caráter carrega consigo.
A situação calamitosa não para por aí. Quando deparamos com a postura mesquinha de alguns diretores e vices-diretores é que podemos ver claramente que a tal consciência de classe que Marx profetizou jamais existiu. Ignorando sua condição de igualdade com os demais professores, acreditam ser eles parte da elite favorecida do país, do estado ou da cidade, e se prestam ao ridículo papel de ameaçar, intimidar e sabotar qualquer movimento de luta da classe à qual eles ignorantemente pertencem.
Não vou negar que nem sempre tive essa consciência social. Já fui à escola trabalhar sozinha enquanto todos os outros estavam em movimento de paralisação e acreditem me envergonho muito deste ato de ignorância e egoísmo. Mas ao contrário de muitos outros nunca me ofendi a ser provocada ao louvável e necessário ato de pensar, e não me eximi de buscar me informar, me politizar e conseqüentemente me responsabilizar pela melhoria das condições de educação do país.
Minha indignação, portanto, consiste não apenas na ignorância, mas na insistência e no orgulho e sê-lo, e claro, na falta de ética e bom caráter profissional.
Em uma das prefeituras em que leciono, cheguei a ter o desprazer de conhecer “colegas” que além de não aderirem ou apoiarem o movimento grevista, ainda se prestaram ao cúmulo, de capitalizar em cima dele. Trabalhando no lugar dos professores que protestavam, somaram aos benefícios (ainda que poucos) adquiridos com as lutas da classe, o valor das horas/aula que foram descontados do contracheque de seus “colegas de trabalho”.
Cadê a tal consciência de classe? A tal revolução operária? Quando ela irá existir se os formadores de opinião do país não têm consciência de seu papel enquanto educador, e se recusam a transformar a escola pública em um “lócus” de saber, produção e libertação social?
Aquelas crianças que recebiam aulas no “velório” diziam estar com medo de assombração. Eu também estou. O que me assombra são a ignorância e a irresponsabilidade de integrantes de minha classe profissional que só fazem por ajudar a desvalorizar e desqualificar a nossa profissão. Chego inclusive a pensar que talvez um “velório” seja mesmo um lugar bem propício para instalar uma escola, visto que a educação pública, se não morta, está moribunda, dando seus últimos suspiros, cercada por professores que, como velhas carpideiras, assistem passivamente sua agonia e planejam seu enterro, ou lhe matam aos poucos com doses homeopáticas de mesquinharia, passividade e alienação.
* o título faz referência ao famoso texto do grande teatrólogo social, Bertold Brechet, “Perguntas de um trabalhador que lê”.
Monique Pacheco
Professora e Bacharel em História pela PUC-MG
e-mail:Moniquenajara.eu@ig.com.br
Blog: moniquenajaraapacheco.blogspot.com
Outro dia li em um jornal a triste notícia de que crianças estavam tendo aula dentro de um local, usado pela comunidade para velórios. Fiquei indignada e revoltada, não com a prefeitura e a secretaria de educação apenas, (já é de se esperar que tais órgãos tratem a educação do filho do operário de forma tão leviana), mas com os professores, que se prestam a sair de suas casas para ministrarem aulas em um ambiente desses. Se eles vêem como heroísmo, eu digo que a vilania de tal atitude é de dar medo.
Os professores deveriam ser os primeiros a protestarem contra o descaso público e defenderem os direitos dos alunos a uma educação digna e de qualidade. Mas não, covardemente se escondem atrás de um discurso de “mártir”, para defender, na verdade, seus mais egoístas, imediatistas e medíocres interesses financeiros.
Não conheço esses professores, mas conheço muitos outros ditos “profissionais da educação” que se portam da mesma maneira. É só começar a articular greves e paralisações, visando à conquista de uma digna e justa condição de trabalho e ensino, que esses tais “profissionais” despudoradamente começam a manifestar suas vergonhosas justificativas para continuarem a contribuir com o esfacelamento da educação pública:
“_ Olha, eu até pararia, mas comprei um pacote de viagem para a semana de outubro, e não vou poder pagar a greve. Mas apoio quem para.”
“_ Só não vou parar porque sou contratado, mas quem é efetivo tem mais é que parar mesmo”.
“_ Eu sou bem casada, meu marido ganha bem, meu dinheiro é só para fazer unha, arrumar o cabelo... mas se eu precisasse igual a vocês, eu também entrava em greve.”
“_ Greve? De jeito nenhum, “to” pagando prestações do meu carro, não posso mesmo.”
“_ Vocês tem que fazer greve sim, eu só não participo porque sou indicada do prefeito, tenho um cargo de confiança e não posso ficar me envolvendo nessas coisas.”
E a situação só piora, quando os tais “heróis” da educação se manifestam:
“_ Vocês estão fazendo greve porque não gosta de trabalhar, não pensam nos “coitadinhos” dos alunos, que sempre ficam prejudicados.”
Esse é o tipo de professor que faz parte do grupo que não apenas “dá” aula em velório, mas até em cemitério se tiver oportunidade. Mal sabem que são eles que prejudicam e condenam os estudantes a tal condição de “coitadinhos”.
Outro discurso imperdoável é o do: “mas é que eu estou precisando trabalhar”, esse, chega a ser um dos piores, porque desqualifica o sacrifício dos que lutam, arriscando seu emprego e sua organização financeira, pelo bem-estar de todos. Como se os professores em greve, não fosse receber como conseqüência, apenas um improvável bônus, mas também o provável ônus, que todo movimento desse caráter carrega consigo.
A situação calamitosa não para por aí. Quando deparamos com a postura mesquinha de alguns diretores e vices-diretores é que podemos ver claramente que a tal consciência de classe que Marx profetizou jamais existiu. Ignorando sua condição de igualdade com os demais professores, acreditam ser eles parte da elite favorecida do país, do estado ou da cidade, e se prestam ao ridículo papel de ameaçar, intimidar e sabotar qualquer movimento de luta da classe à qual eles ignorantemente pertencem.
Não vou negar que nem sempre tive essa consciência social. Já fui à escola trabalhar sozinha enquanto todos os outros estavam em movimento de paralisação e acreditem me envergonho muito deste ato de ignorância e egoísmo. Mas ao contrário de muitos outros nunca me ofendi a ser provocada ao louvável e necessário ato de pensar, e não me eximi de buscar me informar, me politizar e conseqüentemente me responsabilizar pela melhoria das condições de educação do país.
Minha indignação, portanto, consiste não apenas na ignorância, mas na insistência e no orgulho e sê-lo, e claro, na falta de ética e bom caráter profissional.
Em uma das prefeituras em que leciono, cheguei a ter o desprazer de conhecer “colegas” que além de não aderirem ou apoiarem o movimento grevista, ainda se prestaram ao cúmulo, de capitalizar em cima dele. Trabalhando no lugar dos professores que protestavam, somaram aos benefícios (ainda que poucos) adquiridos com as lutas da classe, o valor das horas/aula que foram descontados do contracheque de seus “colegas de trabalho”.
Cadê a tal consciência de classe? A tal revolução operária? Quando ela irá existir se os formadores de opinião do país não têm consciência de seu papel enquanto educador, e se recusam a transformar a escola pública em um “lócus” de saber, produção e libertação social?
Aquelas crianças que recebiam aulas no “velório” diziam estar com medo de assombração. Eu também estou. O que me assombra são a ignorância e a irresponsabilidade de integrantes de minha classe profissional que só fazem por ajudar a desvalorizar e desqualificar a nossa profissão. Chego inclusive a pensar que talvez um “velório” seja mesmo um lugar bem propício para instalar uma escola, visto que a educação pública, se não morta, está moribunda, dando seus últimos suspiros, cercada por professores que, como velhas carpideiras, assistem passivamente sua agonia e planejam seu enterro, ou lhe matam aos poucos com doses homeopáticas de mesquinharia, passividade e alienação.
* o título faz referência ao famoso texto do grande teatrólogo social, Bertold Brechet, “Perguntas de um trabalhador que lê”.
Monique Pacheco
Professora e Bacharel em História pela PUC-MG
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terça-feira, 4 de maio de 2010
Até quando seremos racistas?
Para mim não existe prova maior do quanto nosso país ainda é subdesenvolvido, do que o fato de sermos racistas. E antes que alguém tente se defender da generalização, reafirmo, somos racistas e negros.
Aliás, a primeira coisa que devemos esclarecer é que, somos racistas, exatamente por sermos negros. Afinal, quem quer ser negro nesse país? Quem quer fazer parte dessa história de exclusão e exploração que persiste em se reproduzir? Quem quer ser herdeiro desse legado de apartação? Ninguém. Por isso preferimos ser pardos, morenos, morenos claros, morenos “chegados”, morenos “fechados”, “cor de jambo”, “marrom bom bom”... Orgulhamo-nos de termos filhos e netos de cabelos lisos, e nos sentimos premiados, por, ora ou outra, recebermos em nossa árvore genealógica um descendente de olhos azuis.
Clarear a pele ao longo das gerações é, para nossa sociedade, ir aos poucos, alcançando uma redenção, uma chance de vencer o preconceito. O próprio preconceito, e o preconceito de uma minoria de pele clara, que se diz branca, se pensa superior, e acaba por ser privilegiada.
Sim, somos racistas, apesar das incansáveis discussões cientificas sobre a questionável existência de raças dentre a espécie humana, somos etnocêntricos, apesar de nosso fenótipo não ser definido, e assim não ser comum a nenhuma determinada etnia, e somos eurocentricos, apesar de a maioria esmagadora do país, nem de longe se enquadrar no nórdigo padrão de beleza europeu.
Podemos até entender, o porquê de tantos paradigmas culturais, apenas com uma simples análise histórica do nosso país. Mas o que não podemos definitivamente é prever por quanto tempo ainda manteremos essa cultura ignorante e hipócrita.
Claro, reconheço, a tentativa de vários setores sociais de encarar o problema de frente, e dar início a uma discussão sobre o tema, com o intuito de tentar eliminar sistematicamente o “racismo” no país, através de discursos e ações de afirmação racial. Mas temo pela possibilidade de uma bipolarização, que ao invés de reconhecer a identidade do brasileiro acabe por reproduzir os errôneos preconceitos raciais ao tentar caracterizar as pessoas de forma a reafirmar indefinidas diferenças, na inútil tentativa de diferenciar negros de brancos.
A tal questão racial no país é hoje, uma dialética entre uma simples e ao mesmo tempo complexa questão de cor de pele, traços faciais e textura de cabelo. Outro dia, ao participar de um curso que propunha projetos de combate ao racismo nas escolas, me preocupei ao escutar uma das palestrantes afirmarem que em um dos congressos em que participou, só havia uma pessoa negra,ela. Tive que confirmar com o colega ao lado se o tal congresso teria sido mesmo no Brasil, e após ouvir que sim, que acontecera em São Paulo, acabei por lamentar não ter tido a oportunidade de questioná-la sobre os parâmetros usados por ela para identificar quem é de fato negro nesse país. Sinceramente, acho muito difícil fazer esse tipo de separação em um país como o nosso. E também não acredito que tal separação traria solução ao nosso problema.
Nosso racismo só irá acabar quando nos livrarmos dessa ignorância classificatória, que se prende em tonalidades e graduações de cores. Somos todos, independente dessa tal tonalidade de pele, e textura dos cabelos, brasileiros, pobres, subdesenvolvidos, oprimidos e escravos de nossa colonização católica e pró elitista. Se todo camburão tem algo de um navio negreiro, nós, brasileiros pobres, independente da cor, estamos a bordo desse camburão. Embarcamos nessa canoa furada, chamada desigualdade social.
Ser racista em um país de mestiços acaba por nos condenar a viver em uma constante guerra civil, muito semelhante àquelas que se passam em vários países da África, e que vivemos por condenar e tentar entender. Negros, pobres e explorados se matando enquanto brancos e ricos se beneficiam de suas mortes. Não somos melhores que eles, somos iguais, com a simples diferença que eles se destroem porque acreditam em suas verdades, e nós por que insistimos em cultuar nossas mentiras.
Monique Pacheco
Professora e Bacharel em História pela PUC- MG
e-mail:moniquenajara.eu@ig.com.br
Aliás, a primeira coisa que devemos esclarecer é que, somos racistas, exatamente por sermos negros. Afinal, quem quer ser negro nesse país? Quem quer fazer parte dessa história de exclusão e exploração que persiste em se reproduzir? Quem quer ser herdeiro desse legado de apartação? Ninguém. Por isso preferimos ser pardos, morenos, morenos claros, morenos “chegados”, morenos “fechados”, “cor de jambo”, “marrom bom bom”... Orgulhamo-nos de termos filhos e netos de cabelos lisos, e nos sentimos premiados, por, ora ou outra, recebermos em nossa árvore genealógica um descendente de olhos azuis.
Clarear a pele ao longo das gerações é, para nossa sociedade, ir aos poucos, alcançando uma redenção, uma chance de vencer o preconceito. O próprio preconceito, e o preconceito de uma minoria de pele clara, que se diz branca, se pensa superior, e acaba por ser privilegiada.
Sim, somos racistas, apesar das incansáveis discussões cientificas sobre a questionável existência de raças dentre a espécie humana, somos etnocêntricos, apesar de nosso fenótipo não ser definido, e assim não ser comum a nenhuma determinada etnia, e somos eurocentricos, apesar de a maioria esmagadora do país, nem de longe se enquadrar no nórdigo padrão de beleza europeu.
Podemos até entender, o porquê de tantos paradigmas culturais, apenas com uma simples análise histórica do nosso país. Mas o que não podemos definitivamente é prever por quanto tempo ainda manteremos essa cultura ignorante e hipócrita.
Claro, reconheço, a tentativa de vários setores sociais de encarar o problema de frente, e dar início a uma discussão sobre o tema, com o intuito de tentar eliminar sistematicamente o “racismo” no país, através de discursos e ações de afirmação racial. Mas temo pela possibilidade de uma bipolarização, que ao invés de reconhecer a identidade do brasileiro acabe por reproduzir os errôneos preconceitos raciais ao tentar caracterizar as pessoas de forma a reafirmar indefinidas diferenças, na inútil tentativa de diferenciar negros de brancos.
A tal questão racial no país é hoje, uma dialética entre uma simples e ao mesmo tempo complexa questão de cor de pele, traços faciais e textura de cabelo. Outro dia, ao participar de um curso que propunha projetos de combate ao racismo nas escolas, me preocupei ao escutar uma das palestrantes afirmarem que em um dos congressos em que participou, só havia uma pessoa negra,ela. Tive que confirmar com o colega ao lado se o tal congresso teria sido mesmo no Brasil, e após ouvir que sim, que acontecera em São Paulo, acabei por lamentar não ter tido a oportunidade de questioná-la sobre os parâmetros usados por ela para identificar quem é de fato negro nesse país. Sinceramente, acho muito difícil fazer esse tipo de separação em um país como o nosso. E também não acredito que tal separação traria solução ao nosso problema.
Nosso racismo só irá acabar quando nos livrarmos dessa ignorância classificatória, que se prende em tonalidades e graduações de cores. Somos todos, independente dessa tal tonalidade de pele, e textura dos cabelos, brasileiros, pobres, subdesenvolvidos, oprimidos e escravos de nossa colonização católica e pró elitista. Se todo camburão tem algo de um navio negreiro, nós, brasileiros pobres, independente da cor, estamos a bordo desse camburão. Embarcamos nessa canoa furada, chamada desigualdade social.
Ser racista em um país de mestiços acaba por nos condenar a viver em uma constante guerra civil, muito semelhante àquelas que se passam em vários países da África, e que vivemos por condenar e tentar entender. Negros, pobres e explorados se matando enquanto brancos e ricos se beneficiam de suas mortes. Não somos melhores que eles, somos iguais, com a simples diferença que eles se destroem porque acreditam em suas verdades, e nós por que insistimos em cultuar nossas mentiras.
Monique Pacheco
Professora e Bacharel em História pela PUC- MG
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sexta-feira, 30 de abril de 2010
Presídio, o país de quem não vota.
De tempo em tempo os lares brasileiros são invadidos por imagens bárbaras, em reportagens jornalísticas que expõem as terríveis condições estruturais do sistema carcerário do país.
Tais imagens, apesar de chocantes, têm um apelo social muito superficial, por mais que causem uma primeira impressão de horror nos cidadãos, são logo justificadas por discursos coniventes ao desumano tratamento dado a esses seres humanos.
Tal comportamento não reflete uma personalidade cruel dos brasileiros, mas sim uma deformação na construção do reconhecimento do direito e dos conceitos de dignidade e integridade individual nos quais se baseam nossa constituição.
O cidadão comum entende que as precárias condições de saúde, causadas pela ausência de atendimento médico, a falta de higiene, a superlotação e todo sofrimento decorrente dessas situações tão comuns aos presídios, não são mais, do que parte da justa pena consequente de seus crimes contra a sociedade.
Esse tipo de pensamento, não apenas revela a equivocada construção do conceito de cidadania, que não reconhece o individuo enquanto “sujeito de direito”, mas acaba por legitimar a negligencia e a total incompetência do Estado ante a urgência de uma intervenção que garanta o respeito à dignidade humana e a constituição, símbolo maior de um Estado de Direito.
O que a sociedade não percebe, é que o tratamento dado ao presidiário brasileiro, retrata, de forma clara, a postura do Estado, ante aos problemas advindos da má distribuição de renda que condenam grande parte da nação à miséria.
As estatísticas apontam para mais de noventa por cento de pobres dentre a totalidade prisional, dos quais mais de sessenta por cento são negros. Podemos, a partir desses dados, concluir que a superpopulação carcerária do país é a conseqüência mais nefasta da ausência de políticas públicas que ao longo da história atuassem de forma a reduzir a exclusão social causada pelo caráter racista, censitário e latifundiário de nossa colonização.
Se a educação pública não cumpre sua função de preparar o sujeito para o exercício da cidadania e a inserção digna ao mercado de trabalho, acaba por condená-lo à perpetuação da miséria, que, não raro, reflete na marginalização e aumento da criminalidade. E se, por sua vez, o sistema carcerário não atua de forma a corrigir tais falhas, ressocilalizando e reincerindo esse sujeito ao convívio social, toda a sociedade estará condenada a pagar o preço da exclusão e será vítima de sua própria ignorância.
Não existem chances de ressocialização nas realidades prisionais do nosso país. Aqueles que escapam com vida da hostil estada na “cadeia”, tendem a descontar na sociedade os horrores de sua experiência.
Várias são as alternativas e propostas políticas de reforma presidiária como forma de garantir o cumprimento das legislações que condenam as torturas, e as condições indignas à integridade física e mental do recluso. Dentre elas, os vários projetos de privatização, que apesar de representar uma viável alternativa à incompetência do Estado, na solução de tais problemas e na promoção da ressocialização, um dos principais objetivos da pena, segundo a constituição brasileira, despertam, por sua estreita relação ao modo de produção capitalista, a desconfiança de vários setores sociais, em relação à verdadeiras intenções da proposta.
Porém, o que tem adiado a implementação de políticas públicas que transformem a realidade carcerária do Brasil, está no seu efeito de longo prazo, totalmente contraditório à organização de nosso sistema eleitoral que, no interesse de garantir reeleições e sucessões partidárias, priorizam políticas de caráter imediatista, que satisfazem a limitada percepção do eleitorado em relação ao que consideram como sendo “realmente importante”.
Além disso, devemos considerar que político não vai preso, e preso não vota e nem é votado, se as “cadeias” fossem um espaço de possível permanência de nossos legisladores, ou grandes colégios eleitorais, a realidade penal no país seria outra. Não sendo assim, os presídios se configuram como um símbolo de apartação social. Um Brasil que não interessa a ninguém.
Monique Pacheco
Professora e Bacharel em História pela PUC- MG
e-mail:moniquenajara.eu@ig.com.br
Tais imagens, apesar de chocantes, têm um apelo social muito superficial, por mais que causem uma primeira impressão de horror nos cidadãos, são logo justificadas por discursos coniventes ao desumano tratamento dado a esses seres humanos.
Tal comportamento não reflete uma personalidade cruel dos brasileiros, mas sim uma deformação na construção do reconhecimento do direito e dos conceitos de dignidade e integridade individual nos quais se baseam nossa constituição.
O cidadão comum entende que as precárias condições de saúde, causadas pela ausência de atendimento médico, a falta de higiene, a superlotação e todo sofrimento decorrente dessas situações tão comuns aos presídios, não são mais, do que parte da justa pena consequente de seus crimes contra a sociedade.
Esse tipo de pensamento, não apenas revela a equivocada construção do conceito de cidadania, que não reconhece o individuo enquanto “sujeito de direito”, mas acaba por legitimar a negligencia e a total incompetência do Estado ante a urgência de uma intervenção que garanta o respeito à dignidade humana e a constituição, símbolo maior de um Estado de Direito.
O que a sociedade não percebe, é que o tratamento dado ao presidiário brasileiro, retrata, de forma clara, a postura do Estado, ante aos problemas advindos da má distribuição de renda que condenam grande parte da nação à miséria.
As estatísticas apontam para mais de noventa por cento de pobres dentre a totalidade prisional, dos quais mais de sessenta por cento são negros. Podemos, a partir desses dados, concluir que a superpopulação carcerária do país é a conseqüência mais nefasta da ausência de políticas públicas que ao longo da história atuassem de forma a reduzir a exclusão social causada pelo caráter racista, censitário e latifundiário de nossa colonização.
Se a educação pública não cumpre sua função de preparar o sujeito para o exercício da cidadania e a inserção digna ao mercado de trabalho, acaba por condená-lo à perpetuação da miséria, que, não raro, reflete na marginalização e aumento da criminalidade. E se, por sua vez, o sistema carcerário não atua de forma a corrigir tais falhas, ressocilalizando e reincerindo esse sujeito ao convívio social, toda a sociedade estará condenada a pagar o preço da exclusão e será vítima de sua própria ignorância.
Não existem chances de ressocialização nas realidades prisionais do nosso país. Aqueles que escapam com vida da hostil estada na “cadeia”, tendem a descontar na sociedade os horrores de sua experiência.
Várias são as alternativas e propostas políticas de reforma presidiária como forma de garantir o cumprimento das legislações que condenam as torturas, e as condições indignas à integridade física e mental do recluso. Dentre elas, os vários projetos de privatização, que apesar de representar uma viável alternativa à incompetência do Estado, na solução de tais problemas e na promoção da ressocialização, um dos principais objetivos da pena, segundo a constituição brasileira, despertam, por sua estreita relação ao modo de produção capitalista, a desconfiança de vários setores sociais, em relação à verdadeiras intenções da proposta.
Porém, o que tem adiado a implementação de políticas públicas que transformem a realidade carcerária do Brasil, está no seu efeito de longo prazo, totalmente contraditório à organização de nosso sistema eleitoral que, no interesse de garantir reeleições e sucessões partidárias, priorizam políticas de caráter imediatista, que satisfazem a limitada percepção do eleitorado em relação ao que consideram como sendo “realmente importante”.
Além disso, devemos considerar que político não vai preso, e preso não vota e nem é votado, se as “cadeias” fossem um espaço de possível permanência de nossos legisladores, ou grandes colégios eleitorais, a realidade penal no país seria outra. Não sendo assim, os presídios se configuram como um símbolo de apartação social. Um Brasil que não interessa a ninguém.
Monique Pacheco
Professora e Bacharel em História pela PUC- MG
e-mail:moniquenajara.eu@ig.com.br
Pior que o preconceito é a hipocrisia
Há pouco tempo um, um famoso jornalista foi pego em uma situação extremamente desagradável. Apresentando ao vivo, uma reportagem na qual funcionários da limpeza pública, os lixeiros, desejavam um feliz natal a população, foi flagrado, ao pensar ter o microfone desligado, fazendo um comentário visto como pejorativo e humilhante, sobre esta classe trabalhadora.
Isso já faz algum tempo, mas durante essa semana passada, na sala dos professores da escola onde leciono, o assunto voltou à tona, e acabei tomada por uma inquietação quase física, ao ouvir o quanto meus colegas comemoravam um suposto processo que estaria sendo movido contra ele. O grupo criticava a gafe do jornalista, dotados de um discurso ético quase inalcançável, e inabalável.
Ante tanta unanimidade, não pude me ater a manifestar minha indesejada opinião. (E é incrível, como as pessoas se assustam, quando são transtornadas em sua unanimidade).
__ Pior que o preconceito é a hipocrisia, disse, e então, com cara de espanto, alguns se viravam para mim, esperando que, contrariando a tal “ética”, eu me posicionasse a favor do jornalista.
A minha posição, no entanto, não é a favor de preconceitos, mas, sim, contra a hipocrisia. As pessoas se lançam em uma crítica com tom horrorizado quando ouvem este homem dizer que os lixeiros são a mais baixa categoria profissional do nosso país. Mas se esquecem que pior que dizer é pensar. E é exatamente assim que todos pensam. É fato que existem profissões e grande prestígio, enquanto outras são usadas, como forma de assustar crianças arredias aos estudos.
__ Se não estudar vai ser lixeiro. Muitos naquela sala, que levantaram seu dedo acusador, já disseram esta frase em vários momentos. E ninguém nega que pedreiro, empregada doméstica e professores são, entre outras, profissões de mínimo prestígio social.
Por isso ao invés de criticarmos estas falas, deveríamos usá-las para discutimos formas de acabarmos verdadeiramente com o preconceito no país.
Em tempos de “politicamente correto”, encontra-se formas de maquiar o preconceito e a discriminação que está presente na cultura do brasileiro de forma estrutural. Criam-se leis para punir a manifestação do racismo, e palavras para disfarçá-lo, mas seria mais digno entender que punir a clara manifestação do racismo, apesar de medida justa, não muda a forma que as pessoas pensam e de modo quase imperceptível, agem. E mudar a forma de dizer não muda, o que é dito.
É ridículo pensar que trocar o vocabulário vai resolver um problema de 500 anos. Se alguém diz: __ “Neguinho filho da puta”, é preconceituoso, pode ser preso sem possibilidade de fiança. Mas se diz “afrodescendentezinho filho de uma profissional do sexo”, está de forma clara e louvável, reconhecendo as origens raciais do garoto, e, “de quebra” a ocupação profissional de sua mãe.
De um tempo pra cá, decidiu-se que o brasileiro deveria ser “adestrado” ao politicamente correto, sendo assim, favela é comunidade, a não ser que a Regina Casé fale, bicha é homossexual, a não ser que o Pedro Bial use a palavra de forma poética, empregada doméstica é secretária doméstica, deficiente é portador de necessidades especiais e por aí vai... O incrível é que tais substituições vocabulares, em nada melhoraram a vida do morador das tais “comunidades”, reduziram a discriminação aos homossexuais, valorizaram os salários e as condições de trabalho das “secretárias domésticas”, e nem incluiram de fato o “portador de necessidades especiais”, (termo que será trocado para “portador de deficiência”).
Assim, o que deve nos indignar não é a fala infeliz de alguns, mas o pensamento e as ações veladas de segregação social que ela incita.
Não falar sobre os nossos preconceitos, guardá-lo debaixo do travesseiro, ou por trás das palavras cuidadosamente selecionadas não reduz a discriminação, simplesmente adia a discussão.
Se em meio ao pensamento acadêmico derrubou-se a teoria “casa-grande e senzala”, que durante décadas negou a existência do racismo no Brasil, deveria ser derrubado com ela também a hipocrisia, que de forma sistêmica, atrasa o reconhecimento do princípio de igualdade, sobre o qual nosso Estado e nossa sociedade deveriam estar alicerçados.
Monique Pacheco
Professora e Bacharel em História pela PUC- MG
e-mail:moniquenajara.eu@ig.com.br
Isso já faz algum tempo, mas durante essa semana passada, na sala dos professores da escola onde leciono, o assunto voltou à tona, e acabei tomada por uma inquietação quase física, ao ouvir o quanto meus colegas comemoravam um suposto processo que estaria sendo movido contra ele. O grupo criticava a gafe do jornalista, dotados de um discurso ético quase inalcançável, e inabalável.
Ante tanta unanimidade, não pude me ater a manifestar minha indesejada opinião. (E é incrível, como as pessoas se assustam, quando são transtornadas em sua unanimidade).
__ Pior que o preconceito é a hipocrisia, disse, e então, com cara de espanto, alguns se viravam para mim, esperando que, contrariando a tal “ética”, eu me posicionasse a favor do jornalista.
A minha posição, no entanto, não é a favor de preconceitos, mas, sim, contra a hipocrisia. As pessoas se lançam em uma crítica com tom horrorizado quando ouvem este homem dizer que os lixeiros são a mais baixa categoria profissional do nosso país. Mas se esquecem que pior que dizer é pensar. E é exatamente assim que todos pensam. É fato que existem profissões e grande prestígio, enquanto outras são usadas, como forma de assustar crianças arredias aos estudos.
__ Se não estudar vai ser lixeiro. Muitos naquela sala, que levantaram seu dedo acusador, já disseram esta frase em vários momentos. E ninguém nega que pedreiro, empregada doméstica e professores são, entre outras, profissões de mínimo prestígio social.
Por isso ao invés de criticarmos estas falas, deveríamos usá-las para discutimos formas de acabarmos verdadeiramente com o preconceito no país.
Em tempos de “politicamente correto”, encontra-se formas de maquiar o preconceito e a discriminação que está presente na cultura do brasileiro de forma estrutural. Criam-se leis para punir a manifestação do racismo, e palavras para disfarçá-lo, mas seria mais digno entender que punir a clara manifestação do racismo, apesar de medida justa, não muda a forma que as pessoas pensam e de modo quase imperceptível, agem. E mudar a forma de dizer não muda, o que é dito.
É ridículo pensar que trocar o vocabulário vai resolver um problema de 500 anos. Se alguém diz: __ “Neguinho filho da puta”, é preconceituoso, pode ser preso sem possibilidade de fiança. Mas se diz “afrodescendentezinho filho de uma profissional do sexo”, está de forma clara e louvável, reconhecendo as origens raciais do garoto, e, “de quebra” a ocupação profissional de sua mãe.
De um tempo pra cá, decidiu-se que o brasileiro deveria ser “adestrado” ao politicamente correto, sendo assim, favela é comunidade, a não ser que a Regina Casé fale, bicha é homossexual, a não ser que o Pedro Bial use a palavra de forma poética, empregada doméstica é secretária doméstica, deficiente é portador de necessidades especiais e por aí vai... O incrível é que tais substituições vocabulares, em nada melhoraram a vida do morador das tais “comunidades”, reduziram a discriminação aos homossexuais, valorizaram os salários e as condições de trabalho das “secretárias domésticas”, e nem incluiram de fato o “portador de necessidades especiais”, (termo que será trocado para “portador de deficiência”).
Assim, o que deve nos indignar não é a fala infeliz de alguns, mas o pensamento e as ações veladas de segregação social que ela incita.
Não falar sobre os nossos preconceitos, guardá-lo debaixo do travesseiro, ou por trás das palavras cuidadosamente selecionadas não reduz a discriminação, simplesmente adia a discussão.
Se em meio ao pensamento acadêmico derrubou-se a teoria “casa-grande e senzala”, que durante décadas negou a existência do racismo no Brasil, deveria ser derrubado com ela também a hipocrisia, que de forma sistêmica, atrasa o reconhecimento do princípio de igualdade, sobre o qual nosso Estado e nossa sociedade deveriam estar alicerçados.
Monique Pacheco
Professora e Bacharel em História pela PUC- MG
e-mail:moniquenajara.eu@ig.com.br
A escola inclusiva que exclui: Uma reflexão sobre as práticas de “inclusão” nas escolas públicas
Quando era criança, eu era uma aluna brilhante, aprendi a ler (sem soletrar e de forma pontuada) aos seis anos de idade. E aos oito já era elogiada pela minha capacidade de produção e interpretação textual. Apesar disso, era desorganizada, vivia de castigo atrás da porta por causa das minhas crises de riso, e fui considerada por uma professora um problema para a classe, uma vez que era inquieta, impaciente e eloquente além do necessário. Respondia antes dos colegas, terminava a atividade antes de todo mundo, fingia estar passando mal para sair da sala, uma vez que era uma tortura ficar sentada e em silêncio por mais de vinte minutos até que os demais terminassem.
O que as minhas queridas professoras não sabiam é que eu era uma criança hiperativa. Mas naquela época ninguém sabia. Talvez isso até estivesse sendo discutido nas universidades, mas minhas professoras primárias tinham aquela formação técnica conhecida por “normal”.
Acho que normal diz tudo sobre aquela época, porque na escola tudo e todo mundo era normal. Ao final do 1º ano um por um dos alunos sentavam-se ante a diretora e lia um texto, esta era a condição básica para se passar de ano. Não sabe ler, faz de novo, repete o ano. Isso era normal.
O normal era ser normal, não existia políticas de “inclusão”. Não existia autismo, dislexia, hiperatividade, T.D.A. e todas essas doenças da educação moderna.
E pensem o que quiser, hoje sou muito grata por isso. Obrigada abnegadas professorinhas por não me considerarem uma aluna de inclusão.
Se fosse hoje talvez eu não tivesse recebido tantos castigos, minha mãe não teria sido chamada tantas vezes à escola, e provavelmente eu não teria pegado aquela pavorosa recuperação em matemática, na sexta série, durante os jogos da Copa de 1998. Assim eu teria, ao invés de ficar resolvendo aqueles benditos 120 exercícios, assistido todos os jogos da copa, incluída aos meus irmãos na sala.
Mas talvez hoje estaria excluída do mercado de trabalho, da universidade e não teria desenvolvido tantas habilidades intelectuais, senso de compromisso e responsabilidade, de causa e consequência, dentre outras coisas.
É óbvio que esse modelo de educação não era perfeito, pelo menos não para todos. Alunos com transtornos de concentração grave, dislexias, dígrafos e discalculistas eram simplesmente atrasados, e os síndromes de down, as crianças com paralisia cerebral e autistas em nível mais grave, formavam junto a outros “excepcionais” o grupo dos "retardados". E os deficientes físicos eram os aleijados. Os cegos e os surdos eram os coitadinhos.
Mas todos esses quatro grupos tinham um principal fator em comum, todos compartilhavam de uma forma ou de outra, de diferentes níveis de exclusão, tanto escolar quanto social.
Os primeiros tinham duas escolhas, ou se adequavam às rígidas regras da escola ou estavam fora, podiam ser expulsos, transferidos para outras escolas consideradas ruins ou fracas, ou reprovados de forma constante e sequêncial até evadirem.
Já os integrantes dos três outros grupos não existiam para a escola regular. Os “retardados” porque não iriam aprender nada e atrapalharia os colegas com seus sons incontroláveis e irreguláveis, seus movimentos repetitivos e compulsivos e com seus arrombos de agressividade. Os cegos e os surdos eram enviados para institutos especiais, (claro, se a família pudesse pagar, senão pela mensalidade, pela locomoção à raras escolas que geralmente ficavam localizadas em áreas centrais distantes das periferias), os “aleijados” poderiam se matricular e sua permanência era garantida, desde que conseguisse subir as escadas, usar os banheiros, beber água e é claro se localizarem entre as carteiras hegemônicas da sala de aula. Isso tudo, obvio, sozinhos ou com a solidária ajuda de seus coleguinhas, cujas atitudes eram louvadas com frases do tipo “Olha que gracinha, ajudando o amigo aleijado”, ou com a constante presença de suas mães. É obvio que essa criança não iria permanecer nessa escola.
Depois da convenção de Salamanca, a situação caminhou para uma mudança significativa, ainda que de forma lenta, os sistemas de educação começaram a tentar se adequar à obrigatoriedade da oferta e garantia de permanência destas crianças. E claro as Universidades passaram a se dedicar à estudos neurocientíficos e a identificar e classificar, até então, desconhecidos transtornos de aprendizagem.
O problema é que as políticas públicas que foram criadas no Brasil,tanto nos âmbitos municipais quanto estaduais e federais, não correspondem, na prática, com o ideal de inclusão na qual a lei se baseia.
A falta de preparo dos profissionais, somados a falta de investimento público e a ausência de reconhecimento de direitos pela sociedade transformaram as escolas em um ambiente de total exclusão.
A tal inclusão acabou por se fechar em dois fundamentos básicos o da exposição e o da rotulação.
As escolas que antes eram um ambiente cândido e angelical, viu suas portas abertas, escancaradas a crianças que não satisfazem o ideal de infância que se tinham até décadas atrás. A progressão automática e as leis de “inclusão” acabaram por garantir a permanência das crianças que até então eram indesejadas, e a escola deixou de ser "normal".
As professoras não eram mais as normalistas, e os alunos todos, de repente, deixaram de se enquadrar no que era considerado “normal”.
Como consequência imediata de tantas mudanças temos uma escola mergulhada em uma profunda crise de identidade e o maior desespero das professoras se reflete não só na quebra de suas imagens (como diria Miguel Arrojo) mas também na identificação de seus papéis. O que lhes traz uma enorme insatisfação, como uma grande sensação de incompetência.
E para tentar achar resposta para maior de todas as tragédias, o baixo desempenho escolar e as grandes deficiências no processo de alfabetização. A rotulação dos alunos veio preencher um vazio e dar respostas prontas à sociedade.
Alunos como eu, que eram um problema à ordem da sala, apesar de corresponder de forma plena às expectativas de aprendizado, passam a ser o sonho distante na cabeça confusa dessas professoras em desespero.
A escola recebe agora crianças provenientes da crise de uma das mais sólidas e respeitosas instituições sociais, a família, e põe em questão as capacidades e as verdadeiras atribuições de outra instituição, a escola. Estas crianças que antes não eram um problema para a escola, pois ingressavam em número pequeno e permaneciam em número menor ainda, são considerados agora, pelas suas dificuldades de aprendizado e de “adestração”, doentes, tem CID-10 e até medicação farmacológica (Ritalina).
Uma a uma justificadas e compreendidas em suas deficiências e “incluídas” na escola são excluídas da sociedade e incapazes de exercerem seu direito à cidadania. Não lê porque é autista, não escreve porque é dísgrafo, não calcula porque é discalculista e não aprende nada porque é dislexo. No entanto, se lê, se escreve, domina as quatro operações, mas não se senta, não respeita as atividades e se agride e desafiam os educadores, é hiperativo.
E desta forma, os governos vão justificando sua omissão às responsabilidades, e as professoras vão adiando de forma paliativa o encontro com a maior e a mais terrível das verdades, não foram academicamente preparadas para essa realidade docente.
Enquanto isso, as salas de aula tomaram áres de laboratórios, e os estudantes viram “pequenos ratinhos” em uma atuação experimental caracterizada por uma sequêncial prática de tentativa e erro permeada de equívocos quase irreparáveis. E o pior sobre o discurso político da inclusão e da inovação.
A escola agora tem rampas e elevadores, mas o aluno cadeirante não é visto com dignidade. Se não aprende a ler, ou a escrever, ainda sim tem a promoção garantida e certificação ao final do nono ano. Por que a escola é inclusiva, e ele não sabe lê porque é deficiente.
Porque esse aluno não é visto como um sujeito de direitos dotado de capacidades? Porque uma incapacidade acaba por anular, através do olhar do outro suas tantas outras capacidades?
A escola dita inclusiva deveria ser preparada para a aceitação das deficiências e descoberta e valorização de outras tantas eficiências.
A total falta de preparo das instituições públicas de educação para as políticas de reconhecimento dos direitos da igualdade entre os diferentes, pode ser claramente percebida em frases do tipo:
__ A inclusão é boa, porque ensina as crianças a conviver com o diferente.
Desta forma, o síndrome de down e o chamado PC, se inserem nesse espaço não para serem preparados e formados em suas capacidades, respeitando seus tempos e limitações, de forma a garantir sua autonomia e a descoberta de sua identidade, mas para ensinar os colegas o que é tolerância” e socializar.
Isso é criminoso, sob o discurso da socialização como principal finalidade da educação, estamos (de) formando cidadãos do futuro. Que certamente precisarão de políticas de inclusão e cotas para ingressarem no mercado de trabalho e levarem uma vida digna.
Outro dia escutei na sala dos professores, uma professora exausta e frustrada desabafando com os colegas:
__ Acho que minha turma é toda de inclusão, tenho vinte e dois alunos com nove e dez anos que não aprendem a ler, alguns ainda estão na fase pré-silábica e outros nem isso.
Surpreendentemente, uma outra professora diz:
__ Na minha sala só tem uma aluna de inclusão.
As outras presentes ficaram surpresas e quase invejosas.
__ Como assim?
E então ela completa:
__ Só uma é capaz de ler, escrever, interpretar e executar as quatro operações. No entanto, o restante da sala está tão lento na evolução desse processo, que quem está excluída e deve ser incluída é ela.
Parece piada, mas é fato. Por que não a mudam de sala? Por que em qualquer outra sala daquela realidade, ela continuaria a ser uma exceção.
Mas será que todas as s crianças desta década estão de fato doentes? Ou só as crianças pobres de periferia? Não seria mais correto tentar resolver as causas do problema do que simplesmente nomeá-lo, classificá-lo e justificá-lo?
Pelo modo como as coisas estão andando, não demora muito e surgirão outras doenças responsáveis pela ineficiência escolar. O transtorno dos pais separados, o transtorno do pai na cadeia, o transtorno da alta rotatividade matrimonial da mãe, o transtorno da falta de limites.
Sendo assim, pobre vai ter CID-10, e seu direito à educação será oficialmente, substituído pelo direito à socialização.
Para encerrar meu desabafo gostaria de relatar uma experiência escolar que ilustra bem como as políticas de inclusão são percebidas pelos seus principais interessados, as crianças e os professores:
Havia em uma determinada escola uma sala de aula composta com crianças de sete a oito anos vivenciando o processo de alfabetização. A professora da turma, era conhecida por ser a mais rígida da escola, e manter uma sala organizada, disciplinada e com total sucesso na alfabetização.
Claro que ela não pegava qualquer turma. Por ter muitos anos de atuação docente na escola, tinha o privilégio de ser a primeira a escolher a turma, e claro, pegou a “melhor”.
Já nos primeiros dois meses de aula a professora chegou a conclusão que por melhor que fosse a turma esta jamais seria aquela s do início de sua docência. Mas logo tratou de arrumar estratégias para disciplinar e organizara turma, e manter sua boa fama de professora padrão.
Usando de todos os métodos, de Piaget a Pinochet, aos poucos uma a uma das crianças, pelo amor ou pela dor, foram se condicionando à rígida organização da professora. Todos, menos um, o Lucas.
O Lucas só escrevia se estivesse em pé andando pela sala, falava junto a professora, colocava apelidos, fazia piadas, seu caderno era sujo e desorganizado, só fazia as atividades que queria, e o pior, era sujinho, “feinho” e tinha um arsenal de palavrões e mal-criações prontas a disparar sobre a professora, quando se sentia contrariado ou ignorado.
Definitivamente o Lucas era um desafio, mais que isso, um inferno astral para a professora. Não funcionou Piaget, Lacan, Freud, Jesus Cristo, Pinochet nunca foi tão humilhado. Chega, após muitas brigas, conflitos e caixas de “Rivotriu”, o mais sensato era jogar a toalha, admitir que não conseguia e passar a batata quente para alguma novata contratada. O raciocínio não era egoísta, era óbvio, um aluno-problema a mais, outro a menos em uma sala cheia deles não fazia a menor diferença, além do mais, a idéia era preservar os demais alunos da classe que estavam sendo prejudicados por ele.
Vestida deste discurso, a professora foi procurar a pedagoga lhe comunicar o problema e imediatamente a solução.
Inútil, não houve argumentos que convencesse a pedagoga já decidida a trocar alguns alunos daquela sala, por uns mais agitados, pois a outra professora estava muito sobrecarregada.
A professora quase teve um AVC, não conseguindo convencer a pedagoga com argumentos pedagógicos apelou para a chantagem emociona, explicou a situação de sua saúde, sacou uma receita médica da bolsa, mostrou resultados de sua última endoscopia e afirmou estar mal do coração.
Depois começou a relembrar cada um dos vinte e cinco anos der trabalho naquela escola, das turmas que assumiu quando era novata, e da consideração que esperava por parte da escola no ano de se aposentar.
Com o homérico, após tanta dedicação, e os inúmeros apelos por compaixão, conseguiu ficar livre da troca, mas do Lucas não poderia se livrar.
Como explicar aquela incompetência, um aluno que além de tudo não se alfabetizava no mesmo ritmo da turma e ainda desafiava sua autoridade perante os outros. O recurso era aguentar, se estressar menos, dar a ele atividades que o distraísse, gravuras para colorir, papel para picotar, e deixá-lo ali, distraindo-se e dando sossego a ela e para a sala. Afinal era o seu último ano, estavam em abril, logo chegariam a s férias de julho, semana das crianças e... Férias de dezembro. Não seria assim tão difícil.
E assim fez, o Lucas passou a ter permissão a beber água e ir ao banheiro quando quisesse, virou também o ajudante da professora, era um primor em levar recados, buscar material, descobrir para a sala a merenda do dia, cortar folha, apagar o quadro e claro, colorir, e desenhar freneticamente.
Uma das alunas muito revoltada com aquela estranha situação privilegiada do garoto, enquanto todos os outros tinham horário estipulados para ir ao banheiro e ao bebedouro e cansativas atividades de leitura e escrita. Resolveu questionar a professora.
Já preparada para um momento que sabia ser inevitável, a professora chama a garota em um canto e quase em sussurros explica:
__ Paulinha minha querida, você conhece o Rafael da sala dois?
__ Sim, aquele menino que é down?
__ Exatamente, você acha que ele tem as mesmas condições dos outros de aprender as coisas, de se comportar direito?
__ Então, o Rafael é um aluno de inclusão, vem para a escola para socializar e ensinar os coleguinhas a conviver com as diferenças. O Lucas é mais ou menos assim, parece ser normal, mas não é, é um aluno de inclusão, não tem as mesmas capacidades que os outros e vocês precisam tern pena e entender.
A garota não entendeu toda a fala, mas no recreio tratou de repassar a explicação aos colegas, meio aos sussurros e até um pouco de compaixão.
E assim, como se fosse um “carta branca”, sabe?
Todos sabiam, em uma brincadeira infantil o que era “carta branca” geralmente era aquela criança que por ser menor ou considerada fraquinha era aceita no jogo, por pena, ou por insistência dos pais, mas não podia ser queimado, achado, eliminado ou qualquer outra coisa que causasse perca de ponto para um dos times em determinadas brincadeiras.
Resumindo, ele acha que está brincando, os pais acham que ele está sendo entrosado ao grupo, e os demais sabem que o título de competição, ele nem existe.
__Carta branca, assim eu também quero...
Outros resmungam.
__Mais eu não entendi, a professora falou que ele é tipo Rafael da sala 2? Perguntou outro.
__ É tipo, mas não é igual. É meio retardado eu acho. Deduziu o outro.
Acabou o recreio, os alunos voltaram para a sala, depois daquela revelação a sala jamais seria a mesma, e o Lucas jamais seria visto da mesma forma que era, até dez minutos atrás. Os sentimentos se dividiam, e os olhares se multiplicavam. Uns olhavam com pena, outros com inveja, alguns nem ligavam, agiram com indiferença, e outras se sentiram injustificados.
Um deles, querendo compartilhar o privilégio, deu-se a levantar da carteira, disse que não ia fazer as atividades, e que ia ficar desenhando.
A professora estranhou o comportamento e de forma severa perguntou o motivo daquilo.
E o garoto que não aguentava segurar soltou:
__ Ah! Professora todo mundo tem que ficar quieto e fazer atividade, só esse menino faz o que quer.
__ Uma das alunas se adiantando a professora e diz em tom repreensivo:
__ Você não sabe que ele é retardado?
E a Paulinha, informadíssima e escalada na cartilha lulista do politicamente correto, corrige:
__ Não é retardado que fala não, sua anta, é inclusão.
O que as minhas queridas professoras não sabiam é que eu era uma criança hiperativa. Mas naquela época ninguém sabia. Talvez isso até estivesse sendo discutido nas universidades, mas minhas professoras primárias tinham aquela formação técnica conhecida por “normal”.
Acho que normal diz tudo sobre aquela época, porque na escola tudo e todo mundo era normal. Ao final do 1º ano um por um dos alunos sentavam-se ante a diretora e lia um texto, esta era a condição básica para se passar de ano. Não sabe ler, faz de novo, repete o ano. Isso era normal.
O normal era ser normal, não existia políticas de “inclusão”. Não existia autismo, dislexia, hiperatividade, T.D.A. e todas essas doenças da educação moderna.
E pensem o que quiser, hoje sou muito grata por isso. Obrigada abnegadas professorinhas por não me considerarem uma aluna de inclusão.
Se fosse hoje talvez eu não tivesse recebido tantos castigos, minha mãe não teria sido chamada tantas vezes à escola, e provavelmente eu não teria pegado aquela pavorosa recuperação em matemática, na sexta série, durante os jogos da Copa de 1998. Assim eu teria, ao invés de ficar resolvendo aqueles benditos 120 exercícios, assistido todos os jogos da copa, incluída aos meus irmãos na sala.
Mas talvez hoje estaria excluída do mercado de trabalho, da universidade e não teria desenvolvido tantas habilidades intelectuais, senso de compromisso e responsabilidade, de causa e consequência, dentre outras coisas.
É óbvio que esse modelo de educação não era perfeito, pelo menos não para todos. Alunos com transtornos de concentração grave, dislexias, dígrafos e discalculistas eram simplesmente atrasados, e os síndromes de down, as crianças com paralisia cerebral e autistas em nível mais grave, formavam junto a outros “excepcionais” o grupo dos "retardados". E os deficientes físicos eram os aleijados. Os cegos e os surdos eram os coitadinhos.
Mas todos esses quatro grupos tinham um principal fator em comum, todos compartilhavam de uma forma ou de outra, de diferentes níveis de exclusão, tanto escolar quanto social.
Os primeiros tinham duas escolhas, ou se adequavam às rígidas regras da escola ou estavam fora, podiam ser expulsos, transferidos para outras escolas consideradas ruins ou fracas, ou reprovados de forma constante e sequêncial até evadirem.
Já os integrantes dos três outros grupos não existiam para a escola regular. Os “retardados” porque não iriam aprender nada e atrapalharia os colegas com seus sons incontroláveis e irreguláveis, seus movimentos repetitivos e compulsivos e com seus arrombos de agressividade. Os cegos e os surdos eram enviados para institutos especiais, (claro, se a família pudesse pagar, senão pela mensalidade, pela locomoção à raras escolas que geralmente ficavam localizadas em áreas centrais distantes das periferias), os “aleijados” poderiam se matricular e sua permanência era garantida, desde que conseguisse subir as escadas, usar os banheiros, beber água e é claro se localizarem entre as carteiras hegemônicas da sala de aula. Isso tudo, obvio, sozinhos ou com a solidária ajuda de seus coleguinhas, cujas atitudes eram louvadas com frases do tipo “Olha que gracinha, ajudando o amigo aleijado”, ou com a constante presença de suas mães. É obvio que essa criança não iria permanecer nessa escola.
Depois da convenção de Salamanca, a situação caminhou para uma mudança significativa, ainda que de forma lenta, os sistemas de educação começaram a tentar se adequar à obrigatoriedade da oferta e garantia de permanência destas crianças. E claro as Universidades passaram a se dedicar à estudos neurocientíficos e a identificar e classificar, até então, desconhecidos transtornos de aprendizagem.
O problema é que as políticas públicas que foram criadas no Brasil,tanto nos âmbitos municipais quanto estaduais e federais, não correspondem, na prática, com o ideal de inclusão na qual a lei se baseia.
A falta de preparo dos profissionais, somados a falta de investimento público e a ausência de reconhecimento de direitos pela sociedade transformaram as escolas em um ambiente de total exclusão.
A tal inclusão acabou por se fechar em dois fundamentos básicos o da exposição e o da rotulação.
As escolas que antes eram um ambiente cândido e angelical, viu suas portas abertas, escancaradas a crianças que não satisfazem o ideal de infância que se tinham até décadas atrás. A progressão automática e as leis de “inclusão” acabaram por garantir a permanência das crianças que até então eram indesejadas, e a escola deixou de ser "normal".
As professoras não eram mais as normalistas, e os alunos todos, de repente, deixaram de se enquadrar no que era considerado “normal”.
Como consequência imediata de tantas mudanças temos uma escola mergulhada em uma profunda crise de identidade e o maior desespero das professoras se reflete não só na quebra de suas imagens (como diria Miguel Arrojo) mas também na identificação de seus papéis. O que lhes traz uma enorme insatisfação, como uma grande sensação de incompetência.
E para tentar achar resposta para maior de todas as tragédias, o baixo desempenho escolar e as grandes deficiências no processo de alfabetização. A rotulação dos alunos veio preencher um vazio e dar respostas prontas à sociedade.
Alunos como eu, que eram um problema à ordem da sala, apesar de corresponder de forma plena às expectativas de aprendizado, passam a ser o sonho distante na cabeça confusa dessas professoras em desespero.
A escola recebe agora crianças provenientes da crise de uma das mais sólidas e respeitosas instituições sociais, a família, e põe em questão as capacidades e as verdadeiras atribuições de outra instituição, a escola. Estas crianças que antes não eram um problema para a escola, pois ingressavam em número pequeno e permaneciam em número menor ainda, são considerados agora, pelas suas dificuldades de aprendizado e de “adestração”, doentes, tem CID-10 e até medicação farmacológica (Ritalina).
Uma a uma justificadas e compreendidas em suas deficiências e “incluídas” na escola são excluídas da sociedade e incapazes de exercerem seu direito à cidadania. Não lê porque é autista, não escreve porque é dísgrafo, não calcula porque é discalculista e não aprende nada porque é dislexo. No entanto, se lê, se escreve, domina as quatro operações, mas não se senta, não respeita as atividades e se agride e desafiam os educadores, é hiperativo.
E desta forma, os governos vão justificando sua omissão às responsabilidades, e as professoras vão adiando de forma paliativa o encontro com a maior e a mais terrível das verdades, não foram academicamente preparadas para essa realidade docente.
Enquanto isso, as salas de aula tomaram áres de laboratórios, e os estudantes viram “pequenos ratinhos” em uma atuação experimental caracterizada por uma sequêncial prática de tentativa e erro permeada de equívocos quase irreparáveis. E o pior sobre o discurso político da inclusão e da inovação.
A escola agora tem rampas e elevadores, mas o aluno cadeirante não é visto com dignidade. Se não aprende a ler, ou a escrever, ainda sim tem a promoção garantida e certificação ao final do nono ano. Por que a escola é inclusiva, e ele não sabe lê porque é deficiente.
Porque esse aluno não é visto como um sujeito de direitos dotado de capacidades? Porque uma incapacidade acaba por anular, através do olhar do outro suas tantas outras capacidades?
A escola dita inclusiva deveria ser preparada para a aceitação das deficiências e descoberta e valorização de outras tantas eficiências.
A total falta de preparo das instituições públicas de educação para as políticas de reconhecimento dos direitos da igualdade entre os diferentes, pode ser claramente percebida em frases do tipo:
__ A inclusão é boa, porque ensina as crianças a conviver com o diferente.
Desta forma, o síndrome de down e o chamado PC, se inserem nesse espaço não para serem preparados e formados em suas capacidades, respeitando seus tempos e limitações, de forma a garantir sua autonomia e a descoberta de sua identidade, mas para ensinar os colegas o que é tolerância” e socializar.
Isso é criminoso, sob o discurso da socialização como principal finalidade da educação, estamos (de) formando cidadãos do futuro. Que certamente precisarão de políticas de inclusão e cotas para ingressarem no mercado de trabalho e levarem uma vida digna.
Outro dia escutei na sala dos professores, uma professora exausta e frustrada desabafando com os colegas:
__ Acho que minha turma é toda de inclusão, tenho vinte e dois alunos com nove e dez anos que não aprendem a ler, alguns ainda estão na fase pré-silábica e outros nem isso.
Surpreendentemente, uma outra professora diz:
__ Na minha sala só tem uma aluna de inclusão.
As outras presentes ficaram surpresas e quase invejosas.
__ Como assim?
E então ela completa:
__ Só uma é capaz de ler, escrever, interpretar e executar as quatro operações. No entanto, o restante da sala está tão lento na evolução desse processo, que quem está excluída e deve ser incluída é ela.
Parece piada, mas é fato. Por que não a mudam de sala? Por que em qualquer outra sala daquela realidade, ela continuaria a ser uma exceção.
Mas será que todas as s crianças desta década estão de fato doentes? Ou só as crianças pobres de periferia? Não seria mais correto tentar resolver as causas do problema do que simplesmente nomeá-lo, classificá-lo e justificá-lo?
Pelo modo como as coisas estão andando, não demora muito e surgirão outras doenças responsáveis pela ineficiência escolar. O transtorno dos pais separados, o transtorno do pai na cadeia, o transtorno da alta rotatividade matrimonial da mãe, o transtorno da falta de limites.
Sendo assim, pobre vai ter CID-10, e seu direito à educação será oficialmente, substituído pelo direito à socialização.
Para encerrar meu desabafo gostaria de relatar uma experiência escolar que ilustra bem como as políticas de inclusão são percebidas pelos seus principais interessados, as crianças e os professores:
Havia em uma determinada escola uma sala de aula composta com crianças de sete a oito anos vivenciando o processo de alfabetização. A professora da turma, era conhecida por ser a mais rígida da escola, e manter uma sala organizada, disciplinada e com total sucesso na alfabetização.
Claro que ela não pegava qualquer turma. Por ter muitos anos de atuação docente na escola, tinha o privilégio de ser a primeira a escolher a turma, e claro, pegou a “melhor”.
Já nos primeiros dois meses de aula a professora chegou a conclusão que por melhor que fosse a turma esta jamais seria aquela s do início de sua docência. Mas logo tratou de arrumar estratégias para disciplinar e organizara turma, e manter sua boa fama de professora padrão.
Usando de todos os métodos, de Piaget a Pinochet, aos poucos uma a uma das crianças, pelo amor ou pela dor, foram se condicionando à rígida organização da professora. Todos, menos um, o Lucas.
O Lucas só escrevia se estivesse em pé andando pela sala, falava junto a professora, colocava apelidos, fazia piadas, seu caderno era sujo e desorganizado, só fazia as atividades que queria, e o pior, era sujinho, “feinho” e tinha um arsenal de palavrões e mal-criações prontas a disparar sobre a professora, quando se sentia contrariado ou ignorado.
Definitivamente o Lucas era um desafio, mais que isso, um inferno astral para a professora. Não funcionou Piaget, Lacan, Freud, Jesus Cristo, Pinochet nunca foi tão humilhado. Chega, após muitas brigas, conflitos e caixas de “Rivotriu”, o mais sensato era jogar a toalha, admitir que não conseguia e passar a batata quente para alguma novata contratada. O raciocínio não era egoísta, era óbvio, um aluno-problema a mais, outro a menos em uma sala cheia deles não fazia a menor diferença, além do mais, a idéia era preservar os demais alunos da classe que estavam sendo prejudicados por ele.
Vestida deste discurso, a professora foi procurar a pedagoga lhe comunicar o problema e imediatamente a solução.
Inútil, não houve argumentos que convencesse a pedagoga já decidida a trocar alguns alunos daquela sala, por uns mais agitados, pois a outra professora estava muito sobrecarregada.
A professora quase teve um AVC, não conseguindo convencer a pedagoga com argumentos pedagógicos apelou para a chantagem emociona, explicou a situação de sua saúde, sacou uma receita médica da bolsa, mostrou resultados de sua última endoscopia e afirmou estar mal do coração.
Depois começou a relembrar cada um dos vinte e cinco anos der trabalho naquela escola, das turmas que assumiu quando era novata, e da consideração que esperava por parte da escola no ano de se aposentar.
Com o homérico, após tanta dedicação, e os inúmeros apelos por compaixão, conseguiu ficar livre da troca, mas do Lucas não poderia se livrar.
Como explicar aquela incompetência, um aluno que além de tudo não se alfabetizava no mesmo ritmo da turma e ainda desafiava sua autoridade perante os outros. O recurso era aguentar, se estressar menos, dar a ele atividades que o distraísse, gravuras para colorir, papel para picotar, e deixá-lo ali, distraindo-se e dando sossego a ela e para a sala. Afinal era o seu último ano, estavam em abril, logo chegariam a s férias de julho, semana das crianças e... Férias de dezembro. Não seria assim tão difícil.
E assim fez, o Lucas passou a ter permissão a beber água e ir ao banheiro quando quisesse, virou também o ajudante da professora, era um primor em levar recados, buscar material, descobrir para a sala a merenda do dia, cortar folha, apagar o quadro e claro, colorir, e desenhar freneticamente.
Uma das alunas muito revoltada com aquela estranha situação privilegiada do garoto, enquanto todos os outros tinham horário estipulados para ir ao banheiro e ao bebedouro e cansativas atividades de leitura e escrita. Resolveu questionar a professora.
Já preparada para um momento que sabia ser inevitável, a professora chama a garota em um canto e quase em sussurros explica:
__ Paulinha minha querida, você conhece o Rafael da sala dois?
__ Sim, aquele menino que é down?
__ Exatamente, você acha que ele tem as mesmas condições dos outros de aprender as coisas, de se comportar direito?
__ Então, o Rafael é um aluno de inclusão, vem para a escola para socializar e ensinar os coleguinhas a conviver com as diferenças. O Lucas é mais ou menos assim, parece ser normal, mas não é, é um aluno de inclusão, não tem as mesmas capacidades que os outros e vocês precisam tern pena e entender.
A garota não entendeu toda a fala, mas no recreio tratou de repassar a explicação aos colegas, meio aos sussurros e até um pouco de compaixão.
E assim, como se fosse um “carta branca”, sabe?
Todos sabiam, em uma brincadeira infantil o que era “carta branca” geralmente era aquela criança que por ser menor ou considerada fraquinha era aceita no jogo, por pena, ou por insistência dos pais, mas não podia ser queimado, achado, eliminado ou qualquer outra coisa que causasse perca de ponto para um dos times em determinadas brincadeiras.
Resumindo, ele acha que está brincando, os pais acham que ele está sendo entrosado ao grupo, e os demais sabem que o título de competição, ele nem existe.
__Carta branca, assim eu também quero...
Outros resmungam.
__Mais eu não entendi, a professora falou que ele é tipo Rafael da sala 2? Perguntou outro.
__ É tipo, mas não é igual. É meio retardado eu acho. Deduziu o outro.
Acabou o recreio, os alunos voltaram para a sala, depois daquela revelação a sala jamais seria a mesma, e o Lucas jamais seria visto da mesma forma que era, até dez minutos atrás. Os sentimentos se dividiam, e os olhares se multiplicavam. Uns olhavam com pena, outros com inveja, alguns nem ligavam, agiram com indiferença, e outras se sentiram injustificados.
Um deles, querendo compartilhar o privilégio, deu-se a levantar da carteira, disse que não ia fazer as atividades, e que ia ficar desenhando.
A professora estranhou o comportamento e de forma severa perguntou o motivo daquilo.
E o garoto que não aguentava segurar soltou:
__ Ah! Professora todo mundo tem que ficar quieto e fazer atividade, só esse menino faz o que quer.
__ Uma das alunas se adiantando a professora e diz em tom repreensivo:
__ Você não sabe que ele é retardado?
E a Paulinha, informadíssima e escalada na cartilha lulista do politicamente correto, corrige:
__ Não é retardado que fala não, sua anta, é inclusão.
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