Há pouco tempo um, um famoso jornalista foi pego em uma situação extremamente desagradável. Apresentando ao vivo, uma reportagem na qual funcionários da limpeza pública, os lixeiros, desejavam um feliz natal a população, foi flagrado, ao pensar ter o microfone desligado, fazendo um comentário visto como pejorativo e humilhante, sobre esta classe trabalhadora.
Isso já faz algum tempo, mas durante essa semana passada, na sala dos professores da escola onde leciono, o assunto voltou à tona, e acabei tomada por uma inquietação quase física, ao ouvir o quanto meus colegas comemoravam um suposto processo que estaria sendo movido contra ele. O grupo criticava a gafe do jornalista, dotados de um discurso ético quase inalcançável, e inabalável.
Ante tanta unanimidade, não pude me ater a manifestar minha indesejada opinião. (E é incrível, como as pessoas se assustam, quando são transtornadas em sua unanimidade).
__ Pior que o preconceito é a hipocrisia, disse, e então, com cara de espanto, alguns se viravam para mim, esperando que, contrariando a tal “ética”, eu me posicionasse a favor do jornalista.
A minha posição, no entanto, não é a favor de preconceitos, mas, sim, contra a hipocrisia. As pessoas se lançam em uma crítica com tom horrorizado quando ouvem este homem dizer que os lixeiros são a mais baixa categoria profissional do nosso país. Mas se esquecem que pior que dizer é pensar. E é exatamente assim que todos pensam. É fato que existem profissões e grande prestígio, enquanto outras são usadas, como forma de assustar crianças arredias aos estudos.
__ Se não estudar vai ser lixeiro. Muitos naquela sala, que levantaram seu dedo acusador, já disseram esta frase em vários momentos. E ninguém nega que pedreiro, empregada doméstica e professores são, entre outras, profissões de mínimo prestígio social.
Por isso ao invés de criticarmos estas falas, deveríamos usá-las para discutimos formas de acabarmos verdadeiramente com o preconceito no país.
Em tempos de “politicamente correto”, encontra-se formas de maquiar o preconceito e a discriminação que está presente na cultura do brasileiro de forma estrutural. Criam-se leis para punir a manifestação do racismo, e palavras para disfarçá-lo, mas seria mais digno entender que punir a clara manifestação do racismo, apesar de medida justa, não muda a forma que as pessoas pensam e de modo quase imperceptível, agem. E mudar a forma de dizer não muda, o que é dito.
É ridículo pensar que trocar o vocabulário vai resolver um problema de 500 anos. Se alguém diz: __ “Neguinho filho da puta”, é preconceituoso, pode ser preso sem possibilidade de fiança. Mas se diz “afrodescendentezinho filho de uma profissional do sexo”, está de forma clara e louvável, reconhecendo as origens raciais do garoto, e, “de quebra” a ocupação profissional de sua mãe.
De um tempo pra cá, decidiu-se que o brasileiro deveria ser “adestrado” ao politicamente correto, sendo assim, favela é comunidade, a não ser que a Regina Casé fale, bicha é homossexual, a não ser que o Pedro Bial use a palavra de forma poética, empregada doméstica é secretária doméstica, deficiente é portador de necessidades especiais e por aí vai... O incrível é que tais substituições vocabulares, em nada melhoraram a vida do morador das tais “comunidades”, reduziram a discriminação aos homossexuais, valorizaram os salários e as condições de trabalho das “secretárias domésticas”, e nem incluiram de fato o “portador de necessidades especiais”, (termo que será trocado para “portador de deficiência”).
Assim, o que deve nos indignar não é a fala infeliz de alguns, mas o pensamento e as ações veladas de segregação social que ela incita.
Não falar sobre os nossos preconceitos, guardá-lo debaixo do travesseiro, ou por trás das palavras cuidadosamente selecionadas não reduz a discriminação, simplesmente adia a discussão.
Se em meio ao pensamento acadêmico derrubou-se a teoria “casa-grande e senzala”, que durante décadas negou a existência do racismo no Brasil, deveria ser derrubado com ela também a hipocrisia, que de forma sistêmica, atrasa o reconhecimento do princípio de igualdade, sobre o qual nosso Estado e nossa sociedade deveriam estar alicerçados.
Monique Pacheco
Professora e Bacharel em História pela PUC- MG
e-mail:moniquenajara.eu@ig.com.br
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