De tempo em tempo os lares brasileiros são invadidos por imagens bárbaras, em reportagens jornalísticas que expõem as terríveis condições estruturais do sistema carcerário do país.
Tais imagens, apesar de chocantes, têm um apelo social muito superficial, por mais que causem uma primeira impressão de horror nos cidadãos, são logo justificadas por discursos coniventes ao desumano tratamento dado a esses seres humanos.
Tal comportamento não reflete uma personalidade cruel dos brasileiros, mas sim uma deformação na construção do reconhecimento do direito e dos conceitos de dignidade e integridade individual nos quais se baseam nossa constituição.
O cidadão comum entende que as precárias condições de saúde, causadas pela ausência de atendimento médico, a falta de higiene, a superlotação e todo sofrimento decorrente dessas situações tão comuns aos presídios, não são mais, do que parte da justa pena consequente de seus crimes contra a sociedade.
Esse tipo de pensamento, não apenas revela a equivocada construção do conceito de cidadania, que não reconhece o individuo enquanto “sujeito de direito”, mas acaba por legitimar a negligencia e a total incompetência do Estado ante a urgência de uma intervenção que garanta o respeito à dignidade humana e a constituição, símbolo maior de um Estado de Direito.
O que a sociedade não percebe, é que o tratamento dado ao presidiário brasileiro, retrata, de forma clara, a postura do Estado, ante aos problemas advindos da má distribuição de renda que condenam grande parte da nação à miséria.
As estatísticas apontam para mais de noventa por cento de pobres dentre a totalidade prisional, dos quais mais de sessenta por cento são negros. Podemos, a partir desses dados, concluir que a superpopulação carcerária do país é a conseqüência mais nefasta da ausência de políticas públicas que ao longo da história atuassem de forma a reduzir a exclusão social causada pelo caráter racista, censitário e latifundiário de nossa colonização.
Se a educação pública não cumpre sua função de preparar o sujeito para o exercício da cidadania e a inserção digna ao mercado de trabalho, acaba por condená-lo à perpetuação da miséria, que, não raro, reflete na marginalização e aumento da criminalidade. E se, por sua vez, o sistema carcerário não atua de forma a corrigir tais falhas, ressocilalizando e reincerindo esse sujeito ao convívio social, toda a sociedade estará condenada a pagar o preço da exclusão e será vítima de sua própria ignorância.
Não existem chances de ressocialização nas realidades prisionais do nosso país. Aqueles que escapam com vida da hostil estada na “cadeia”, tendem a descontar na sociedade os horrores de sua experiência.
Várias são as alternativas e propostas políticas de reforma presidiária como forma de garantir o cumprimento das legislações que condenam as torturas, e as condições indignas à integridade física e mental do recluso. Dentre elas, os vários projetos de privatização, que apesar de representar uma viável alternativa à incompetência do Estado, na solução de tais problemas e na promoção da ressocialização, um dos principais objetivos da pena, segundo a constituição brasileira, despertam, por sua estreita relação ao modo de produção capitalista, a desconfiança de vários setores sociais, em relação à verdadeiras intenções da proposta.
Porém, o que tem adiado a implementação de políticas públicas que transformem a realidade carcerária do Brasil, está no seu efeito de longo prazo, totalmente contraditório à organização de nosso sistema eleitoral que, no interesse de garantir reeleições e sucessões partidárias, priorizam políticas de caráter imediatista, que satisfazem a limitada percepção do eleitorado em relação ao que consideram como sendo “realmente importante”.
Além disso, devemos considerar que político não vai preso, e preso não vota e nem é votado, se as “cadeias” fossem um espaço de possível permanência de nossos legisladores, ou grandes colégios eleitorais, a realidade penal no país seria outra. Não sendo assim, os presídios se configuram como um símbolo de apartação social. Um Brasil que não interessa a ninguém.
Monique Pacheco
Professora e Bacharel em História pela PUC- MG
e-mail:moniquenajara.eu@ig.com.br
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