QUANDO ALGUÉM PERGUNTA A UM AUTOR, O QUE ESTE QUIS DIZER, É POR QUE UM DOS DOIS É BURRO.

MARIO QUINTANA

domingo, 13 de fevereiro de 2011

E aí, vamos ou não vamos mudar o mundo?

Eu estou cansada de pessoas egoístas. Cansadas de pessoas que empurram para os outros a responsabilidades sobre as mazelas do mundo. Fico pensando em quando eu era criança, em como queria mudar o mundo. Ser ministra da educação, presidente do Brasil, embaixadora da ONU. Agente cresce e os sonhos vão mudando, as coisas tomam outras proporções e começamos a dar graças a Deus por mudarmos nossas próprias vidas. Foi assim comigo, é assim com muita gente. Deixamos a tarefa de mudar o mundo para os outros, e não nos responsabilizamos de forma ampla pelas nossas atitudes mesquinhas, nossos individualismos, nossos pequenos delitos.
Até o dia que paramos par pensar e percebemos que dá pra fazer. Dá para mudar o mundo sem que sejamos mundialmente ou nacionalmente conhecidos. Não precisamos ser conhecidos nem no nosso bairro. Precisamos apenas nos conhecer. Conhecer nossos valores, nossas possibilidades, nossos padrões éticos.
Não se muda o mundo mantendo a miséria, menos ainda pensando que a miséria está á seu favor. Conheço muitos professores que acham vantagens no desinteresse de seus alunos, dizem de boca cheia: “isso mesmo, não estudem não, quando eu saio a noite eu preciso de gente como vocês para olhar meu carro, preciso de gente como vocês para me servir, para limpar minha casa a preços baixos”. E é por isso que eu me enfureço, é por isso que acho a existência do flanelinha o cúmulo do absurdo. Um desagravo a dignidade humana.
Não sou elitista. Preconceituosa, talvez, como tantos, como todos. Preconceituosa com gente que se acostuma com a desigualdade social. Eu não me acostumo, Eu acho uma agressão, a quem está por baixo, a quem está no topo, a toda a sociedade. Eu penso que ter pena e dar esmolas não resolvem, piora a situação. O correto não é remediar. É resolver definitivamente.
Comprar balas no sinal não é distribuir renda. Eu não quero ser servida pela miséria, eu não quero explorar o outro, eu não preciso ver alguém na pior para me sentir bem. O que eu tenho feito para mudar o mundo? Pouco, mas o que eu dou conta eu faço. Eu não compactuo com coisa errada. Eu não busco de subterfúgios para me beneficiar. Eu não sou do tipo que diz “ pra que eu vou obedecer essa regra se ninguém obedece?”. Eu obedeço e felizmente conheço muita gente como eu, muito melhor ainda que eu. Eu acredito na lei. Não acho nossas leis injustas, acho que elas não são respeitadas.
O Brasil é o país do “jeitinho”, da lei do mais esperto, do menor esforço? Até quando? Quando vamos nos responsabilizar de verdade? Quando vamos parar de jogar lixo pela janela? De votar em candidatos que fazem “boca de urna”, por que todo mundo faz?
Sei que vai me perguntar sobre o mau exemplo de nossos legisladores. Sobre suas condutas duvidosas, sobre seu talento em beneficiar-se do dinheiro público, e sei que suas atitudes criminosas e a impunidade que lhes cerca são fatores de revolta e de descrédito em nosso poder de mudança, mas eu tento fazer a minha parte. Eu acredito na mudança e principalmente na mudança que vem através da educação. Eu sou grata ao que a escola fez por mim. Por isso não aceito que crianças estejam “olhando” carros em troca de moedas quando deveriam estar estudando. É por isso que insisto tanto com meus alunos, não os quero ver flanelinhas, não quero vê-los lavando meu carro. Fazendo malabarismo no sinal. Quero despertar neles o desejo de ter mais, de ser mais, de servir a sociedade de forma digna. De forma útil, recebendo salários justos que lhes garantam uma vida farta, em todos os sentidos. Não acho que todas as pessoas tenham que ter curso superior. Mas acho que todas que o querem devem ter direito a uma formação de qualidade e a condições de exercer sua profissão. Acho que todos devem ter pelo menos condições de sonhar, de desejar algo maior que as limitações impostas.
Por isso, não compro balas na rua. Não dou esmolas, não fico com pena. Fico indignada. Prefiro assim. Quando sentada em um bar á noite me aparece uma criança vendendo balas com aquele ensaiado discurso: “eu podia estar roubando, eu podia estar matando...”, eu não cedo. Mesmo sabendo que seria mais cômodo ceder. Dar logo o dinheiro e dormir com sensação cristã de ter feito o bem. Mas eu não o faço. Eu pergunto pela escola, eu a lembro que ela não deveria estar naquele lugar muito menos naquele horário. Eu ameaço chamar o Conselho Tutelar se ela não for embora. Ela sai. Não sou ingênua, sei que não vai para casa, vai para outro bar, mas se todos fizessem o mesmo, quem sabe... Se todos cobrassem pela sua frequência á escola, se todos a informassem de seus direitos, se todos chamassem á responsabilidade os órgãos públicos responsáveis, se todos incomodassem o Estado na cobrança por seus direitos...
Eu não aceito o flanelinha apesar de saber que ele é uma vítima do sistema. Aceitá-lo seria legitimar sua função, seria resignar-me a sua condição. Não aceito. Quando peço providencias do Estado não estou querendo que sejam chacinados ou presos, mas que lhe sejam oferecidas outras possibilidades. E que essas outras possibilidades sejam oferecidas também ás crianças e jovens que ingressam diariamente no mundo do tráfico, na criminalidade.
Não sou contra o trabalhador informal. Muito pelo contrário, acho muito legítimo o trabalho honesto daqueles que querem sobreviver, que querem viver à custa de seu próprio esforço apesar das adversidades que lhe são impostas. Sou extremamente grata aos catadores de papel e latinha pelo seu trabalho, pelo serviço que prestam á sociedade, mas fico indignada com o pouco que recebem em troca, pelas péssimas condições de vida a que são submetidos. Mereciam receber muito mais, ter seu trabalho muito mais valorizado. Não gosto de pensar que a sociedade se beneficia da sua miséria. E por isso, e só por isso, lutarei com o que eu puder para que meus alunos não se tornem catadores de papel. Não é justo que a desigualdade social prevaleça. Não no país do pré-sal. Não é justo que pessoas morram de malária em cidades como São Paulo. Não é justo que se morra de malária em canto nenhum desse país. Não é justo que se morra de pobreza em nenhum lugar do mundo.
Pode me chamar de elitista ou qualquer um desses rótulos que se dá para quem não gosta da miséria. Eu não gosto. Eu não concordo com sua existência em uma economia como a do Brasil. Eu ainda acredito em padrões de vida escandinavos. Acredito em uma sociedade justa, onde as pessoas não se diferenciem pelo que comem, mas pelo que pensam. Onde a todos seja dada a oportunidade de pensar. Onde todos tenham moradias seguras e confortáveis, não é pedir de mais; direito e condições de escolher uma profissão e viverem da dignidade de seu trabalho; onde a todos seja dada uma condição igualitária de saúde para que, atendimento médico e odontológico não seja privilégio de alguns; onde as melhores escolas não sejam oferecidas aos poucos que possam pagar, mas a todos que dela necessitam para adquirirem oportunidades iguais e liberdade social.
Podem dizer que levaremos mil anos para alcançar esse patamar social, não importo. Importo quando me dizem que é impossível. Que jamais chegaremos lá. Que jamais mudaremos essa situação. Não quero e não vou me acomodar. Não aceito que você se acomode também.

Monique Pacheco
Professora e Bacharel em História pela PUC-MG
e-mail: moniquenajara.eu@ig.com.br
blog:moniquenajaraapacheco.blogspot.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário