QUANDO ALGUÉM PERGUNTA A UM AUTOR, O QUE ESTE QUIS DIZER, É POR QUE UM DOS DOIS É BURRO.

MARIO QUINTANA

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

A tragédia grega, o circo romano e o Estado Moderno

A tragédia grega, o circo romano e o Estado Moderno

O que levam centenas de pessoas saírem de suas casas de madrugada, pegarem duas, três conduções e ficarem o dia inteiro, em frente um fórum? O sol quente, a chuva forte, o aglomerado de pessoas famintas, cansadas, repetindo a mesma rotina desgastante por dois, três, cinco dias.

Não, não é trabalho, não estão doando nada, essas pessoas estão ali protagonizando apenas mais um espetáculo macabro, digno de uma tragédia grega somada ao prazer sádico de um espetáculo romano.

A mídia deu inicio ao show anunciado e esperado a pelo menos dois anos. O caso é realmente pavoroso, um casal de classe média alta, gozando de todos os confortos aos quais apenas uma pequena parcela da população tem acesso, comete um crime bárbaro. Sem nenhum motivo aparente esganam e defenestram uma linda e meiga criança de apenas cinco anos de idade.

Trágico? Mais do que isso, cruel. Um crime bárbaro cometido ou supostamente cometido, por um casal de jovens instruídos, bem educados, representantes da minoria bem sucedida do país.

O que choca é que apesar das frases de repúdio proferidas, fica claro perceber o quanto as pessoas gostam dessas desgraças urbanas. As pessoas estão sedentas por tragédias. O que se viu nesses cinco dias de julgamento foi suficiente para entendermos o porquê das arenas romanas fazerem tanto sucesso entre seus contemporaneos. Pão e circo para o povo. Um assassinato desses por mês, os políticos vão à forra, ninguém dará a mínima atenção a denuncias de corrupção, mensalão, dinheiro na cueca, enfim... Nada seduzirá tanto a atenção da marginalia que a possibilidade de ver sangue jorrando.

Os gritos eram por justiça, mas ninguém que estava ali queria justiça, esse era apenas um pretexto, ninguém se sacrifica tanto por justiça nesse país, se fosse assim não estaria o Brasil mergulhado nesse esgoto de impunidades. O que as pessoas queriam era o show, o espetáculo, a carnificina.

As cenas divulgadas na TV eram de um paradoxo anacrônico indesvendável. O casal, ante uma das mais importantes instituições do Estado moderno, respondendo judicialmente por seu inexplicável e imperdoável crime. Do lado de fora uma multidão de justiceiros anciosos pela mínima oportunidade de aplicar a Lei de Talião.
A mídia, como de se esperar, cobrindo o espetáculo, dando a essas pessoas o direito de se manifestarem. Todos querendo a palavra, em uma nobre manifestão de altruísmo e de interesse por justiça, principalmente se justiça significasse a cabeça do casal.

_ queremos justiça, dizia um.

_ o crime é horrível, eles têm que ser condenados, dizia outro.

_ eu sou mãe, me emociono com essas coisas.

_ queremos que se faça a justiça, não aceitamos impunidade.

Chega a ser engraçado. Uma grande parte daquelas pessoas que estavam esperando a oportunidade de atirar uma pedra, também tem filhos. Uma grande parte já deve, em mais de um episódio, ter pesado a mão sobre esse filho. A Jatobá também fez isso, mas pesou um pouco mais, era a madrasta, não tinha esse direito. Mas os que estavam do lado de fora do fórum, sim, se sentiam no direito de apontar o dedo, de levantar a voz e agredir, casal, advogado do casal, pais mães e até os filhos do casal se lhe fosse dado oportunidades.
Muitos sacrificando suas crianças naquela "tocaia" armada há dias. Crianças expostas ao cansaço desnecessário, movidos pelo sadismo de seus pais.

Outras ficaram em suas casas, com quem? Com um vizinho, com o pai, a madrasta, não,não importa onde e com quem seus filhos estavam. O que importa e que a garotinha está morta, e não a confissão, não há testemunha, há apenas o poder das investigações da retórica e do convencimento. O veredito já estava dado. Mas o espetáculo ainda não havia se consumado. Faltava um elemento básico, as cabeças rolando.

Não era apenas os "justiceiros" que se divertiam, ambulantes de todas as partes garantiam um extra vendendo camisetas com fotos da criança, medalhinhas, churrasquinhos de gato, refrigerante, cerveja, água, sabe-se o que mais era vendido ali. Podia-se vender tudo, tinha gente para comprar. Comprar inclusive qualquer versão acusadora, que satisfizesse o desejo daquelas pessoas de que realmente fossem aqueles dois os culpados. Uma terceira pessoa não seria interessante, não daria ares de tragédia grega, não haveria o espetáculo romano. Seria apenas mais um caso.

O povo queria uma confissão, que envolvesse rituais macabros, requintes de crueldade, torturas ainda maiores que as já descritas pelos peritos. Queriam uma reconstituição do crime dignas de filme de terror. Para quê? Para se sentirem bem, para se sentirem bons pais, apesar das inúmeras falhas e agressões diárias que cometem à seus filhos, em uma comparação à Alexandre Nardone e Ana Carolina Jatobá, todo mundo, de repente, se torna exemplo de equilíbrio, dedicação e amor.
Monique Pacheco
Professora e bacharel em História pela PUC-MG
e-mail: moniquenajara.eu@ig.com.br
blog:moniquenajaraapacheco.blogspot.com

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